Literatura na Baixada

“O olho lê o nó que vai dentro”.
Nonato Gurgel, livro “miniSertão”.
Saudoso poeta, amigo, professor de Língua e Literatura da UFRRJ – Nova Iguaçu-RJ.

A Baixada Fluminense tem a cultura e a literatura universais, aquelas que saem dos livros, dos doutos, desde sempre como em qualquer lugar e, tem também uma linguagem própria de real sentimento ao pertencer; de ser e ter a cara do que está no horizonte, do dia a dia, em inquietude de instrumento renovador intrínseco, fazendo o lugar.
Porque queira ou não somos uma periferia, por tudo, às vezes, estigmatizada e por mais que aqui se faça em literatura e cultura [como acompanho há décadas, desde a metade do século passado] ainda fica longe o reconhecimento desses trabalhos ou esforços de significar a palavra no tempo/espaço daqui, ficando mais fácil para alguns escritores [esses(as) que dão às costas e montam castelos como se pertencessem a outro lugar no mundo] saírem para as capitais, vitrinas em visibilidades, destaques, agrupamentos, afinidades e facilidades editoriais, do que fazer de nossa região polo permanente de literatura, resistência histórica e identitária pelas intempéries, formando uma base literária autêntica/encorpada/incorporada, capaz de se propagar por toda a região estereotipada e também ser reconhecida pelo mundo afora.

Notadamente desde a segunda metade da década de 1970 houve em nossa Baixada quebra de paradigma, em se tratando da literatura “convencional”, notando-se, também, o início [o livro de contos Primavera Relativa e edições da Revista Equipe] de uma literatura participativa, a qual notabiliza-se em traços ou entretecimentos sociolinguísticos e mesorregionais, traços que denominamos “baixadenses” para melhor situar ou representar características referentes a tais desdobramentos. Uma espécie de signo-indício de nossa forma ambiental. Lançamos mãos de conceitos de estudiosos de campo em melhor relação aos assentamentos espaço/lugar de enquadramento literário/social, como: Armanda Álvaro Alberto, Michel Deguy, Nonato Gurgel, Roman Jakobson, Érica Pessanha do Nascimento, José Martí, Heloísa Buarque de Hollanda, Charles Sanders Peirce, Paulo Freire, Idemburgo Frazão, Marilena Chauí, Zygmunt Bauman, Cecília Meireles, Gayatre Chacravort Spivac, Claude Lévi-Strauss, Vladimir Maiakósvky, Yi-Fu Tuan, Ortega y Gasset, entre outra(o)s em cada circunstância.
Nunca querendo dizer com tal levantamento que toda literatura deva ser temática, consequente, que possua preceitos para se estabelecer ou que tenha pano de fundo, mas o(a) escritor(a), em sua consciência, paixão e intuito da aquisição de existência, deve ter conhecimento da importância do intrínseco objeto da literatura no que implica a valorização de sua época, realidade e filosofia de vida, para que gerações entendam melhor o sentido de ser e estar no tempo e no lugar e que cada coisa absorvida nos assemelha ao lugar comum, ao fundo da verdade ou da coerência, observe em Lima Barreto, Guimarães Rosa, Machado de Assis ou mesmo Lewis Carroll, Miguel de Cervantes ou William Shakespeare.