mulher trem

Rochelle, Rochelle

Comprei uma passagem de trem pra Minsk, a sedutora capital da Bielorrússia. Por que alguém que mora em Milão, capital italiana da moda, iria para o leste europeu de trem? Sou uma escritora nascida na França, mas radicada na Itália. Fiz carreira escrevendo romances de banca de jornal, que no Brasil vocês conhecem por coleções com nome de mulher como Sabrina, Júlia e Bianca. Estava trabalhando muito e vivendo pouco. Escrevia sobre grandes paixões, mas não vivia nenhuma. Aproveitei as minhas férias para fazer uma viagem introspectiva de trem, um exercício de escrita onde criaria fantasias baseadas em romances que eu nunca vivi. Sentaria todos os dias no trem, observaria as pessoas e escreveria uma fantasia sobre elas. Percebi que meu destino tinha que ser Minsk quando, distraída, anotei no alto do meu caderno de notas uma frase que não sei de onde veio: “Uma estranha e erótica jornada de uma jovem garota de Milão a Minsk.” E eu queria ser aquela garota.

Embarquei naquele trem como a autora Rochelle e decidi deixar minha identidade secreta. Cada dia seria uma outra mulher, como nome, profissão e características diferentes. Assim que o trem partiu comecei a observar um homem. Enquanto escrevia uma história sobre ele, acho que ele me observou, sentou ao meu lado e me perguntou:
– Qual o seu nome?
– Juliette. Trabalho no mercado de obras de arte – respondi minha profissão que ele nem tinha perguntado.

Logo no primeiro trecho, ainda na Itália, conheci esse arquiteto encantador chamado Robert. Contei a Robert sobre a vida de Juliette, suas experiências, aventuras e antes do fim da viagem nos despedimos nos entregando à luxúria como um casal adolescente. Droga, disse pra mim mesma que isso não ia acontecer!

Cansada, peguei o trecho seguinte entre a Áustria e a Alemanha, onde em meio a exuberante paisagem conheci Mathias, um advogado alemão alto e forte. Observei aquele homem por mais de uma hora. Eu era a Victoria, uma diplomata grega que viajava a trabalho. Na volta do vagão que tem um restaurante me apresentei a Mathias. Ele tentou me impressionar falando de seus clientes e como defendeu grandes empresas em sua bem sucedida carreira. Nos despedimos, mas não sem antes nos rendermos ao enlace ardente. Eu não aprendo. De novo me envolvi com quem deveria ser somente minha inspiração.

Já no trecho entre a República Tcheca e a Polônia decidi ficar mais introspectiva. Olhava mais discretamente para o encantador George, um médico inglês recém separado. Ele conheceu Elena, meu alter ego, que trabalha pro governo russo. Muito interessado, me fazia perguntas que eu não respondia por completo, ora por dizer que não entendia tão bem a sua língua, ora por dizer que era assunto secreto do governo russo. Mais e mais George se interessava por mim e logo vivemos instantes de entrega completa no banheiro da estação de trem. Saboreei cada gota do seu prazer.

Ainda não tinha escrito nada do que me propus e fiquei em um hotel em Varsóvia. Enquanto fazia a reserva, fui apresentada a Kristofer, um bombeiro polonês muito educado que me mostrou um pouco da cidade, enquanto eu lhe apresentei Beatriz, uma socióloga portuguesa que estava a caminho de São Petersburgo. Meu guia improvisado me apresentou mais do que a cidade, molhando todo meu corpo com fluídos de prazer.

No dia seguinte embarquei novamente no trem e cheguei a Minsk. Decidi deixar minhas identidades no trem e me apresentar como Rochelle, a autora. Fiz um perfil em um aplicativo de relacionamentos e logo marquei um encontro no restaurante do hotel. Seu nome era Vladmir e contei a ela toda a minha vida. Ele disse que eu sou muito conhecida na Bielorrússia. Me disse palavras lindas e que me amou desde a primeira vez que me viu. Subimos para o quarto de hotel e nos rendemos mutuamente, explodindo num êxtase de sentidos. Dormi realizada ao seu lado.

Na manhã seguinte, acordei tarde e Vladmir não estava mais lá. Tinha sumido meu passaporte e ele tinha transferido dinheiro da minha conta bancária. Estava arrasada por me abrir tanto e ser enganada. Procurei a embaixada e consegui voltar pra casa, na Itália. Refeita do susto, voltei a minha rotina de escrita e trabalho, usando as experiências que tive na viagem pra escrever novas histórias. E brotavam novas histórias e novas versões de mim. E por mais que extravasasse essas fantasias que estavam reprimidas, não conseguia tirar Vladmir da minha cabeça. A gente continua trocando mensagens até hoje.

(Primeira versão do conto. A segunda versão estará no livro do autor, chamado “Num cinema perto de você”)