Miado

gato no muro

Texto em homenagem a… vocês irão descobrir

Miado era popular na rua dos trailers, de manhã passava no trailer da Graça para tomar seu desjejum. Nada demais, um punhado de ração e uma tigela de leite. Era um gato comum, sem muitos atrativos, até mirrado. A seu favor tinha o privilégio de ser carinhoso e viver se roçando nas pernas dos clientes. Tranquilo, era adorado pelas crianças. Idolatrado pelas mulheres e respeitado pelos homens. Poder-se-ia dizer que Miado era a estrela da rua. Querido por todos, vivia uma vida de rei. Mas não aceitava ser aprisionado. Ia de estabelecimento em estabelecimento cativando um e outro e todos lhe amavam. Na hora do almoço ele tinha seu cantinho de predileção e sempre ia até lá ganhar seu quinhão.

Charlene Inglaterra chegou às ruas dos trailers desconhecida e até causou alguma desconfiança. De grandes olhos negros, uma timidez e silêncio enervantes foi galgando dia a dia a fama de grande quituteira. Na verdade Charlene Inglaterra arrebatou os paladares do polo gastronômico. Coisas simples como um bife com fritas passou a ser endeusado pela clientela. Quando Charlene preparava um cardápio mais rebuscado seu estabelecimento lacrava. O povo fazia filas. Charlene, moça bonita e vistosa, era do tipo que vivia para o trabalho. Vivia só, com a mãe e era sempre vista no hortifrúti ou no mercado do bairro comprando seus temperos, suas carnes e insumos. Charlene Inglaterra vivia para sua cozinha.

Deuzimar sempre foi uma cozinheira esforçada. Por mais que buscasse receitas e aprimoramentos, sua mão não acertava nos gostos. Invejosa, Deuzimar vivia a observar e copiar os pratos da concorrência. Se fulana fazia salgados, Deuzimar corria a copiar, se faziam doces lá estava Deuzimar a apregoar guloseimas de confeitaria. O que ela não entendia é que seus cozimentos não tinham qualidade, sabor, aparência ou que quer que seja que se faça para uma comida chamar a atenção. Não demorou para ela descobrir qual era o seu problema. Não demorou para ela enxergar aquela que estava lhe atrapalhando.

Charlene Inglaterra anunciou um cardápio especial para a sexta feira: Um prato feito com farofa, arroz soltinho, feijão temperado e churrasquinho de palito. A rua dos trailers se alvoroçou. Afinal de contas tudo o que Charlene Inglaterra cozinhava era de puro sabor.

Quarta feira miado sumiu. Graça achou estranha sua ausência logo pela manhã. As crianças, que sempre lhe faziam festa, estranharam o sumiço. Quinta feira alguns fizeram uma busca infrutífera por todo o bairro. Miado sumiu. Na sexta feira alguém sussurrou baixinho que o churrasco de palito poderia ser de gato. Neste momento começaram a olhar Charlene Inglaterra com outros olhos.

Ela percebeu que havia algo no ar. Os olhares desconfiados e nada amistosos. A clientela não era a mesma. Na verdade ninguém apareceu. Ninguém apareceu na sexta, no sábado e no domingo. Na verdade ninguém apareceu nunca mais.

O bar de Charlene Inglaterra ficou às moscas. E, sem clientes Charlene faliu. Charlene Inglaterra fechou as portas e se mudou para outro lugar.

Eduardo escalou o muro alto com dificuldade. Carlinhos chutou a bola muito alto e a bola se perdeu na casa da Dona Deuzimar. Ao descer no do outro lado Eduardo via a bola e algo mais. Bola esquecida, Eduardo apareceu no portão sem a bola. Nos braços de Eduardo, Miado, esquálido, ronronava balançando a cauda carinhosa e sinuosamente.