William Shatner

Despertar

Era fim de verão, sensação térmica de quarenta e dois graus, quando Carlos Blender despertou do coma no hospital. Para ele, era como se tivesse tudo uma longa noite de sonhos. Foi um assombro para a equipe médica. Cinco anos em coma. E não havia nenhuma sequela.

Fisicamente estava bem, mas a mente estava um turbilhão. A mãe ateia fundou uma igreja e o filho fazia parte do outdoor, da campanha de divulgação. Quantas mudanças em meia década! Um tal de Bolsonaro que ele mal tinha ouvido falar era o Presidente do Brasil. Carlos sobreviveu a uma pandemia no hospital, mas o irmão médico não. Era um negacionista. Mas a pandemia das mentalidades era mais perigosa e aterrorizante.

Dona Maria, que era empregada da família desde que ele era pequeno, havia sido demitida. Acidentou-se enquanto cozinhava usando álcool. Muitas queimaduras e tratamento em hospital público. Motivo: botijão a R$ 150. Miséria por toda a parte. Disputas por restos. Pés de galinha metamorfoseados em filé mignon. Loucura. Insanidade coletiva.

A namorada, seu grande amor, casara-se com um policial, conhecido miliciano que atuava em Belford Roxo. Ficou impressionado com as redes sociais. Zap, Tik ToK, cancelamento. Era fã de Star Trek. William Shatner foi ao espaço, a fronteira final. Guerra na Ucrânia. Gasolina a 9 reais. O jovem idealista não aguentou o mundo a sua frente, nada admirável e jogou-se audaciosamente do décimo andar no qual a humanidade não estava mais presente. Despertou, finalmente.