Pisolândia

Naquela manhã, Eugênio quase desmaiara pelo impacto daquele telefonema e dos terríveis vídeos postados na internet. Entrando em surto psicótico, coloca o celular no modo self e fica parado, observando as deformações de sua imagem enquanto afastava e aproximava seu rosto da tela. Alternadamente fazia diferentes caretas, retratando de forma inconsciente os diversos personagens que vivera e situações com que se defrontara durante a sua frustrada trajetória. No seu íntimo, sentia uma grande insatisfação consigo mesmo e com as falsas expectativas que alimentara ao longo de sua existência.

No alto dos seus cinquenta anos, nada restara daquele garoto sonhador, que falando sozinho prometera-se uma vida de glória e sucesso. Nutria há tempos um sentimento de “auto traição”, achando ter faltado com a própria palavra e, por imperícia, ter-se condenado àquela vida de sucessivas amarguras. Talvez tenha sido precipitado mesmo, ao casar-se cedo demais, enrabichando-se logo pela primeira mulher por quem se apaixonara e que acabou lhe traindo com seu próprio irmão. Na escola, era péssimo em cálculos, porém teimoso, resolvera fazer engenharia. Admirava por demais aquela profissão. Com muito esforço conseguira se formar. Abrira um escritório, mas por sua pouca aptidão não se firmou no mercado. Desempregado e sem expectativas, contentou-se em trabalhar como balconista numa loja de materiais de construção, o que de certa forma foi muito positivo, pois como funcionário pode fazer um crediário a pagar em inúmeras parcelas descontadas em folha, vindo a construir uma pequena casa no terreno de posse que conseguira demarcar.

Para melhorar a renda, resolvera levantar uma “barraca” na frente do quintal, que a princípio ele só abria de tardezinha quando deixava a loja. Veio a se apaixonar por uma freguesa que logo se tornou sua mulher. Dali pra diante, a barraca passou a funcionar também durante o dia, pois a sua nova esposa, muito trabalhadeira, abria o negócio bem cedo, antes mesmo de Eugênio sair. Diferente da primeira, esta não o traíra. Não da mesma forma. Porém ela “adorava” uma cerveja gelada e Eugênio não demorou a perceber que os cascos vazios não correspondiam exatamente ao dinheiro no caixa, suspeita tacitamente confirmada pelo hálito amargo da mulher nos beijos trocados ao chegar do trabalho.

Dali pra frente, o romance desandara e acabaram por se separar. Passaram-se alguns anos e Eugênio, solitário e deprimido, resolvera sair da loja, vender a casa e dar um basta a toda aquela vida insípida que levara. Mudaria para outra cidade. Tentaria novamente exercer a sua profissão. Faria valer os hercúleos esforços que despendera para se formar. Haveria de ter mais êxito, apesar de sua dificuldade com os cálculos e da pouca experiência. E assim fizera. Instalou-se num modesto município em crescimento. Desta vez, tivera mais sorte. Em breve tempo, conseguira coordenar pequenas obras públicas, planejar traçados de ruas e praças, trabalhando para aquela prefeitura e adquirindo prática e autoconfiança. A região era estratégica e havia licitado importante projeto para a construção de um imenso edifício comercial, visando atrair escritórios de grandes empresas, abrigando um shopping com centenas de lojas, teatro, cinema, praça de alimentação e um vasto estacionamento. Eugênio estava eufórico! Tendo trabalhado já algum tempo para o governo, vira redobrarem suas chances de vencer aquela licitação. Seria a glória! A  realização de todos os seus sonhos e ambições!!!. E de fato vencera!!!

Projeto aprovado e as obras de pronto começaram. “Da noite para o dia,” como a brotar do chão, rapidamente erguera-se aquele gigantesco arranha-céu. imponente, majestoso, medindo 60 metros de diâmetro, pesando 14.700 toneladas, 15.484 metros de base. Porém naquela fatídica manhã, data marcada para a inauguração, o magnifico prédio apresentara 3,5 metros fora do prumo ameaçando desabar. Logo a culpa recaiu sobre Eugênio, o engenheiro responsável, ou melhor, “irresponsável” pela imperícia de construir aquela suntuosa obra em um solo mal sedimentado, composto de areia e argila.

Eugênio estava desesperado. Pegara o carro e partira em alta velocidade. Sentia-se completamente derrotado. Nada mais importava! Sua carreira, seu prestigio, nem mesmo a própria vida! Derrapando em uma curva o automóvel choca-se num poste ao longo da estrada e Eugênio morre tragicamente. O curioso é que aquele gigantesco e desaprumado edifício continua de pé, impassível, indiferente, desafiando a gravidade e atraindo milhares e milhares de turistas. O pacato município ganhara ares de cidade italiana trocando até de nome: La Pisolândia.

E na praça lotada, a mãe sorvendo um copo duplo de cerveja exclama:

– Tá vendo, filho aquela torre? Fo… Foi seu pai quem fez!  Ele e..e..ra um grande engenheiro!

-Que legal, mãe!!! Mas cadê ele?

– Ele foi pro céu, filho. Sem te conhecer!

– Então vamos subir naquela torre, mãe! Quero ficar lá em cima bem pertinho do céu pra meu pai me ver !

 

Nota do Autor: Este conto foi inspirado na famosa Torre de Pisa, localizada na Itália, que recebe anualmente milhares de visitantes oriundos de todas partes do mundo. A narrativa é uma obra de ficção e não tem nenhuma relação ou compromisso com a realidade.