Minha primeira comunhão foi na infância, em uma escola de irmãs pertencente à Irmandade Nossa Senhora da Conceição e situada na Tijuca, próxima ao Alto da Boa Vista. Eram todas postulantes ou freiras, aquelas que usavam chapéus grandes brancos e engomados e vestimenta azul. A escola era dirigida pela Ma mère Irmã Ricarda, de origem francesa, junto com a diretora, Irmã Maria Luiza Studart, cearense. As duas dedicaram suas vidas ao ensino. Vizinho a esta escola, uma grande chácara com árvores frutíferas, plantações, de tudo um pouco. Diariamente, gostava de ouvir o canto dos pássaros e apreciar as galinhas passeando com seus pintos recém-nascidos. Nesta escola, fiz um primário excepcional. Até o básico da língua francesa e o hino francês aprendi. As missas eram dominicais e as crianças eram preparadas entre o primeiro e segundo ano por padres catequistas e depois um evento era marcado para meninos e meninas fazerem sua primeira comunhão. A missa, solene, com coral de alunos da quinta série, músicas divinas ao som de um órgão antigo, comandado pela Irmã Maria Luiza.
Agora, a essência do conto: Minha primeira comunhão, aos sete anos, não foi a primeira. Por incrível que alguém, possa entender, ou até duvidar, foi a segunda. A primeira, fiz por minha conta e vontade. Puxa…Isso aconteceu como? Não conheci minha mãe. Tinha apenas 18 meses quando ela se foi, deixando, além de mim, o caçula, mais cinco irmãos, o mais velho com doze anos. Meu pai, operário em uma fábrica de tecidos e com mínima instrução, saía muito cedo para o trabalho não sem antes deixar a comida pronta e mamadeiras para mim. O irmão mais velho, Nelson, esquentava e servia. Não demorou muito e meu pai conheceu a que viria ser a “madrasta”, benéfica em alguns pontos e com o espírito de “satanás” em outros. Analfabeta, vindo de um casamento frustrado e perda de uma filha, assumiu o lugar que sabemos é insubstituível. E o que tem isso a ver com o conto? Toda criança tem “perebas” e eu não fugi a regra. Na época, as crianças brincavam com os pés descalços e na terra. As minhas feridas demoravam muito a fechar, simplesmente porque a cada banho eram abertas novamente e eu sofria horrores. Minha madrasta, por desconhecer que a casca faz parte da cicatrização, raspava todas e, com isso, as feridas se abriam novamente em um ciclo que demorava a ter fim. E ainda dizia pra mim: “Não fecham porque você está cheio de pecados”, “Você precisa comungar.” Isso, na minha inocência, foi me induzindo… Eu já estava sendo catequizado, mas ainda faltavam dois meses para que fizesse a primeira comunhão. Pensei que o fato não faria diferença e não tive dúvidas. Na primeira missa, burlei a vigilância das freiras, geralmente de cabeça baixa neste ato, entrei na fila da comunhão, abri a boca, recebi a hóstia e até a mastiguei. Seguiu-se um escândalo. A madrasta foi chamada, as freiras chegaram a falar em excomunga-la, a Congregação deveria ser comunicada e até o Papa poderia saber do ocorrido. Um verdadeiro reboliço. Após três meses, fiz a primeira comunhão oficial, a segunda pra mim. Embora tenha passado na infância o “pão que o diabo amassou”, encerro este conto com o início do imortal poema de Casimiro de Abreu “Oh! que saudades que tenho, da aurora da minha vida, da minha infância querida, que os anos não trazem mais! “.
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