Valcir deixa a cadeira giratória e caminha até a divisória de vidro que lhe permitia uma imagem panorâmica e privilegiada da cidade de São Paulo. Ali do alto daquele edifício que abrigava um dos mais importantes centros empresariais ele medita. Estava introspectivo naquela manhã! Talvez devido ao que lhe acontecera ainda cedo, mas ele se recusa a pensar nisso e volta outra vez pra si! Silenciosamente vasculha as próprias entranhas, como jamais se permitiu fazer. Com cuidado faz um balanço minucioso. Uma releitura da sua própria trajetória de vida.
Era um belo homem! Não se podia negar! Alto, forte, cabelos levemente grisalhos, o que aumentava sensivelmente seu charme junto às mulheres. Focado e ambicioso, sempre soubera o que buscava, “e não era pouco”. Além da riqueza, havia o desejo de títulos, reconhecimento, consideração. Vindo de família pobre, Valcir soubera tirar proveito da amizade que seu pai tinha desde a infância com o jovem promissor Alfredo Saldanha, que se tornara um dos grandes nomes do mundo dos negócios dentro e fora do País. Afilhado do poderoso empresário, Valcir fora criado junto com Romeu, único filho de Alfredo, tendo acesso a ótimas escolas e a uma excelente educação, formatura em economia e doutorado em universidades da Europa. Hoje, aos 52 anos, pode-se afirmar que Valcir era um homem realizado.
No entanto, amanhecera se procurando, avaliando todo o seu presente e passado, e constata que nem a riqueza acumulada, os privilégios e os prestígios da posição que ocupava à sombra do padrinho o fizeram realmente feliz. Nessa luta de acúmulos e conquistas, Valcir nunca se casara, embora fosse perdidamente apaixonado por Clarice, mas Romeu interessou-se por ela e ele teve que deixar o caminho livre para o amigo, afinal era o pai dele que lhe pagava a universidade.
Depois disso, houve o romance com Emanuela, mas justamente no momento que eles estavam se conhecendo melhor, o Doutor Alfredo o transfere para Londres, pois precisava de alguém na Europa por dois anos, e não podia ser Romeu, porque este estava prestes ser pai. Quando seu Valdomiro morreu, pai de Valcir, ele estava fora, quando a sua mãe suicidou-se, ele ainda estava no exterior. Toda essa subserviência lhe rendeu riquezas, dinheiro, dinheiro pago com a sua juventude e que agora ele não dispõe mais de tempo para gastar. Nem tempo, nem família, filhos para herdar, amigos para lembrar ou ser lembrado,
Hoje pela manhã, recebeu o resultado do exame a respeito do câncer que já o consumia há dois anos. Restava-lhe apenas seis meses de vida. Valcir sorriu. Triste, não tinha mesmo o que lamentar! Não iria deixar nada para trás. Ele respira. Essa realidade doeu mais que tudo!! Ele volta à sua cadeira giratória, abre a gaveta e tira de lá o “Ego”. Ego é o nome do projeto audacioso a que ele vem se dedicando desde que foi diagnosticado de câncer. Ego, consiste na criação de um complexo no coração da Cidade de São Paulo.
Valcir deseja algo apoteótico, uma praça que tenha no centro uma universidade voltada para a formação de gestão em Economia e Administração. Era importante que fosse pública, daí, toda a dificuldade. O Projeto também propõe um centro de convenções empresarial que pudesse receber a nata dos investidores de todo o mundo. Agora, o ponto alto do projeto, o que não poderá faltar de forma alguma: A escultura em mármore Carrara do nosso benfeitor. Uma bela estátua de cinco metros de altura do Economista Valcir Prado Leme que dará o nome a todo o complexo.
Ele sabia que merecia aquela quase póstuma honraria e sabia como fazer. Já há alguns meses vinha alinhavando conversas com o presidente de um forte partido político, com bancada expressiva nos três poderes. Aprovariam fácil o Projeto!! Custaria caro é verdade! Mas era preciso ganhar da morte! Já que para a vida já havia perdido!
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