Wilson Grey

Um homem sem norte

Bado chegou do norte. Saíra de Manaus, de um calor de quarenta graus à sombra e pousou no Galeão onde o mercúrio marcava dezenove. Muleque, tu tá doido? Viera, realmente de mala e cuia… Sem a cuia. Mas, trazia duas cartas de recomendações. Uma para uma família que morava em Ramos e outra para o ator, e comediante, da TV Globo. Queria ser ator, cantor, comediantes, escritor, amante… No jatinho conhecera Vânia, uma jovem senhora que retornava ao lar e que, com seu marido, o largou em frente ao prédio em que morava a tal família. Agradeceu em eles seguiram.

Bado pensou:
– E se eles não me aceitarem?… Ah, meu carai!…

Mas, meio que sem entender “zorra” nenhuma a família aceitou e o colocou pra dormir atrás do sofá em cima de uns tapetes, com cobertores, claro! Passava o dia fora para incomodar o mínimo possível. Almoçava na Central do Brasil ou no “beco da fome” onde conhecera alguns artistas, como Wilson Grey, que detém até hoje o recorde de maior participação em filmes no cinema nacional. Seu almoço, invariavelmente era um salgado, daqueles da central, mais massa do que adubo ou jujubas… Jujubas quando estava andando em busca de alguma agencia. Comprava um saquinho e caminhava em direção de sua estrela. Mesmo assim, fez pontas e muita figuração em novelas e séries.

As figurações pagavam mal e demorava. Era agosto, muito frio. Na casa da família, só ia para dormir, começou a tomar banho gelado depois que percebeu que se ligasse o chuveiro a luzes enfraqueciam. Não podia gastar energia, pois ainda podia colaborar.

Urubu com sorte, pousa no galho de cima, e assim foi acordado com a notícia de que outro nortista o chamava no portão. Não eram nem seis da manhã. Desceu do terceiro andar e encontrou Jackson, também de mala e cuia. Ele, de cuia mesmo! Tinha que inventar uma história. Não dava para a família abrigar o conterrâneo também; Ele até que podia ficar, mas…Com mais um, não!

– Oi, dona Madalena, esse é o Jackson, filho de garimpeiros e a gente vai tomar um cafezinho e procurar um lugar pra morar.

Os olhos de dona Madalena e de toda a família brilharam com a novidade. Os de Jacson correram para um lado e pra outro sem entender patavina.

No trem, onde acessaram por um buraco no muro ele explicou ao amigo a história. Começaram procurando vagas, Copacabana, Botafogo, Catete e por aí. Chegaram à Central, já estavam voltando, de “tardinha”. Desta vez tiveram que pagar o trem. Na volta à Ramos viram um belíssimo bairro, de gente humilde e que não era favela.

– Não é uma Favela?

– Nada!… Favela é morro acima! – redargui o experiente Bado.

Era uma favela. Manguinhos.

– Agora, escangalhou foi tudo!… Não sabia que havia favela horizontal!

Acharam uma garagem que estava para alugar pela dona Felícia. Como o amigo havia levado os seus “quase nada” já passaram a noite ali. Até porque, logo que fecharam negócio, caiu a chuva da felicidade, que brinda e batiza os bons negócios. No espaço já havia um velho sofá que, forrado, serviria de dormitório a Bado e quanto a Jackson, prevenido, armou sua rede e pronto.

E quanto a chuva? Não! Não era a chuva da felicidade, não! Tome-lhe chuva! Tome-lhe chuva!

E Bado disse:
– Temos que fazer um novo chão a uns vinte centímetro do chão e aí, quando chover de novo, não nos afetará!

– Acho melhor que seja de uns trinta centímetros! – falou Jackson olhando a água subir.

– Não! Bateremos a cabeça no teto… – olhou a água subindo – Tá bom, faremos com sessenta, afinal só viremos dormir…

Lá fora maior gritaria. Gente carregando móveis, ratos surfando em pedaços de alguma coisa, crianças na cacunda. Um inferno alagado! Bom, tiveram que içar mais a rede e dormiram juntos.

No dia seguinte, bonança? Não!… Tiroteio. Polícia pra tudo o quanto é lado, até na sua porta.

– Polícia Militar, posso entrar?

– Claro que sim… Estamos fazendo café, quer?

O policial nem respondeu, apenas entrou. Olhos de tigre!

Terminada a operação foi buscar suas tralhas na casa da família. Dona Madalena pareceu verdadeira:

– Caraca, onde você estava?… Ficamos preocupados quando você não voltou. – Ele explicou que tinha alugado uma quitinete, para começar.

– É em alguma favela?

– Que nada… É num bairro humilde! Eu sei o que é uma favela!

E assim seguiram sua vida entre figurantes ansiosos por uma estrela e fulgurantes balas e braceletes!…

Ah, e muita chuva!