carpideiras

Manacapuru

Manacapuru – 98,8 KM de Manaus  

As carpideiras choravam sua incansável e enjoativa ladainha à borda do caixão, inconsoláveis, bem próximas à cabeça do defunto. Pode parecer estranho, em 2025, um velório com a presença de carpideiras, uma profissão que desapareceu há muito do mercado de trabalho. Mas em Manacapuru, uma  pequena cidade no estado Amazonas, o tempo demora a passar, as coisas se alteram modorrentamente e novos costumes são difíceis de serem absorvidos pela sociedade local.

A viúva, sentada em um banco próximo ao caixão, chorava como uma atriz de segunda categoria. Essa tipinha nunca me enganou, sempre bancando a santinha, dentro de casa, usando roupas de senhora recatada quando saia à rua enquanto Agnelo estava por aí passando toda Manacapuru que usasse saias na cara.  

Agnelo era bonitão, alto, um cabelo liso que lhe destacava a face. Um eterno gabola, contador de anedotas e causos. Um pouco mentiroso é verdade. Nunca foi dado ao trabalho, vivia de bicos. Acho até que roubava o pouco que a viúva ganhava com a lavagem de roupas e serviços de diarista que fazia diariamente.

O que ele não contava era se deparar com o corno raivoso do Raul. Raul era um mirrado.  Mirrado não, um raquítico que sabe se lá como se casou com Dona Élida. Ah, Dona Élida era um arrasa quarteirão. Todo homem de Manacapuru que lhe deitasse os olhos e os deixasse percorrer aquele corpo divinal, certamente ao dormir teria poluções noturnas com aquelas curvas. O grande mistério de Manacapuru era saber do porque Dona Élida ter se casado com o mirrado Raul. Nesse angu tem caroço.

Como dizia: Um belo dia – um belo dia para todos menos para Agnelo – Raul descobriu, por  intermédio de um bilhete anônimo, que estava tomando galha. Irado, possesso, após horas e horas de choros e questionamentos que todo corno faz:
– Aonde foi que errei? A trato como rainha. Dou-lhe de um tudo.
– Bom… Isso de dar um tudo é questionável senão ela não procuraria na rua.  

Pois bem. Raul armou-se e tocaiou Agnelo na esquina de sua moradia e meteu três tiros no seu peito. Não deu nem tempo para a ambulância chegar. Coisa triste foi ver o corno dirigir-se a delegacia para se entregar ou, em minha opinião: assumir para toda Manacapuru que é um corno.
– E Dona Élida agora está só, linda e gostosa como sempre.

Voltando as carpideiras… Espera… Aquela não é Dona Wilma, mulher do protético? O que ela faz  no velório do vagabundo biscateiro? Nâããooo! Dona Sinésia, a socialaite mulher de Doutor Murilo? Não acredito! Toda posuda, passa pela gente e não dá nem bom dia, quem diria.  

Vixi, tem mais viúva do que vela acesa. Esse tal de Agnelo era da pá virada mesmo. Quem diria, até Regininha toda pura – vive da igreja para casa, de casa para a igreja – está que numa dor só.  

Olha lá, olha lá, até Dona Julieta, a mulher do coveiro, chorando copiosamente, quase desmaiou…  Peraí… o coveiro sou eu!  

(Gritando e correndo, resfolegando e quase pondo os “bofes” pra fora, na direção da mulher).
– Julieta! Julietaaa! O que você está fazendo aqui!?

Já próximo de Dona Julieta, entrando em desespero, lágrimas nos olhos, ao perceber que estava  diante de mais uma viúva. A mulher que amava, viúva do biscateiro vagabundo, sem perceber que todos no velório assistiam ao showzinho de sua vida particular:
Julieta! O que você está fazendo aqui, muié!?