padre confessionário

Voyeur

– O véu que lhe cobre as curvas, ressalta mais do que esconde! A silhueta na contra luz me fascina; meu corpo todo entra em erupção… Não sei mais o que fazer, padre!

Protegido pela cabine do confessionário, o pobre noviço, Alfredo, busca os conselhos do seu mentor espiritual, o padre Mauro, que já suava as mãos e tremia as pernas… Dizia:
Você precisa expurgar esse demônio que vem se apossando do seu corpo, meu filho! Afinal, você será um sacerdote de Deus!

Mas, o jovem Alfredo, mal o ouvia; estava desenvolvendo um outro tipo de tara; o de saborear as imagens calientes, apimentadas, que povoavam sua mente, enquanto relatava, em minucias, a falta de decoro de sua vizinha desavergonhada. E falava de tudo! Prendia-se aos detalhes; descrevia, a calcinha de seda… Ou de rendas, delicada! As pretas, deixavam a pele mais alva! As vermelhas, tão minúsculas, prendia e se desprendia da fenda, ao menor movimento do corpo rosado. Paralelo a essas confissões, o padre, passava seus maus pedaços, pois reconhecia em si os sintomas de uma patologia que jugava curada; a de se excitar com confissões eróticas de seus fiéis: fazia tempo que seu corpo não respondia assim a uma descrição de coxas roliças, entreabertas, ventre macios, seios fartos, lábios adocicados! Ele queria ordenar ao jovem tarado que parasse, pois já havia descido ao inferno e voltado umas dez vezes, com aquela narrativa pecaminosa. Mas, ao invés disso, ele pedia:
Fala mais, filho! Fala! Você precisa expurgar os demônios! – E o noviço a obedecer.
– Essa noite ela dançou para mim! Quer dizer! – Ele suspira… – Eu finjo, padre, finjo que é para mim… Outro dia ela dançou vestida de azul! Um anjo! Em um outro, de lilás! Uma fada! E ontem, ela dançou sem se vestir! Só a luz, baixa, advinda da luminária, a encobria; enquanto, ao som de uma melodia suave, seu corpo se movia leve e graciosamente. Fiquei hipnotizado; só minha alma se agitava ao sabor dos movimentos
Fala mais, filho! Você precisa expurgar os demônios!
– Em um dado momento, ela se aproximou da janela e nossos olhos se cruzaram… Pensei que fosse fugir, se esconder… Eu fugiria, se pudesse… Ao invés disso, ela abriu ainda mais a janela; uma lufada de vento tocou seu corpo, enrijecendo os seios!
Alfredo para a narrativa, ele respira rápido, ofegante visivelmente afetado e gagueja:
– As cur… As curvas dela, a pele tênue, nua, arrepiada pelo frio da noite…! Ela ali, pura! Linda, cálida! Banhada pela luz da lua! Vestida pelo véu dos desejos! Os meus, os dela… Um punhal de fascínio, de lascívias me rasgava o peito! E o desejo me consumia, como fogo no inferno, padre.
Fala mais, filho! Fala mais… Você precisa expurgar os demônios!
– Ela projetou o corpo para fora da janela, pensei que fosse saltar, mas apenas se alisa e desliza; pernas, torso, seios, fenda, corpo despido, disperso a despertar demônios, cobiça…
Para, para, demônio, para!!
Implora o Padre Mauro ao noviço, com a voz sussurrante, mas o rapaz ladeado por imagens, expostas as suas retinas, nem o ouvi. Contornos do corpo, até agora só visto por ele, em decotes ou fendas!
Olhos e imaginações à deriva … Entre pernas despidas, à espera da fresta, à espreita da brecha, que lhe despertava a cobiça.

No outro dia, após as suas orações, Padre Mauro resolve procurar os pais de Alfredo. Sentia a obrigação de fazer algo por ele… E por si mesmo. Talvez aconselhasse os pais do rapaz a interromper as férias de fim de ano, e leva-lo de volta ao seminário. Mas, qual não foi sua surpresa! Incrédulos, os pais de Alfredo ouviam o sacerdote sem compreender os motivos de sua preocupação. Então convidam o religioso para acompanha-los até o quarto do rapaz, que, naquele momento, passeava na praia. Ao entrar no quarto, o padre corre logo para tal sacada, onde seu pupilo se deliciava com a vizinha despudorada.
– Veja, padre! É só uma casa abandonada! – Explica Dona Virgília, a mãe do noviço.
O padre se debruça um pouco mais… Realmente, não entendia… A sacada estava lá, como na descrição de Alfredo… Mas, a tal janela ou vidraças… Nem vestígio! As paredes, já sem reboco, escurecidas…
Havia lodo, pombos e vegetação nos parapeitos… E nas rachaduras da fachada.

O senhor Romero, pai de Alfredo, contou que a casa estava abandonada há muitos anos. Havia acontecido um crime macabro, no final dos anos 50. Um fazendeiro, rico, do Estado de Goiás, casado. Apaixonou-se pela jovem Luna, uma bailarina de 17 anos… E resolveu construir aqui no Rio de janeiro, afastado de sua família, uma casa para ela. Algum tempo depois, a família dele descobre e sua esposa manda botar fogo na casa. Mas, antes, requintadamente, certificou-se de que as portas estavam todas lacradas, para que a moça não se salvasse.

Padre Mauro se despede do casal mais preocupado do que chegou! Decidiu encaminhar o jovem seminarista para uma junta psicológica. E quanto a vizinha bailarina? Bem, o padre resolveu incluiria o próprio nome nas suas próximas orações.