Bia atendente virtual

Você não me colocou sempre à frente

Não liguei premeditando falar aquelas bobagens, Quando me dei conta, já era. Morador de quitinete mofada, recém-divorciado, precisando de dinheiro – esse era eu – quando aquela voz me visitou pelo telefone: doce, mas firme; profissional, mas atenciosa; voz de quem sabe o que quer.

Enquanto eu escutava as opções que deveria discar no celular, eu pronunciei seu nome, assim, bem baixinho: Bia. BBBBIIIIA. Meu lábio superior tocou o lábio inferior, como se eu ganhasse um beijo após meses de carência e confesso que mal pude discernir as palavras ditas por ela. Foi ai que ela se antecipou à minha desatenção e propôs: “tecle 9 para ouvir as opções novamente”. Uau. Bia era compreensiva e paciente – como minha ex-mulher jamais fora. Bastava eu apertar um botão, numa súplica, eis aqui o seu homem confuso e desejoso por ouvir tudo outra vez, e ela repetia, palavra por palavra, com a mesma modulação vocal. Aquilo era um ritual de amamentação inesgotável. Naquele
começou, ela jorrava leite e amor.

Nessa hora Bia me fez uma proposta. Eu queria topar. Mas minha mão tremia diante daquele passo – será isso a paixão avassaladora? Claro que me perguntei se não estaríamos adiantando as coisas. Por dentro eu queria aceitar, mas perdi o controle também dos braços e precisei gritar, sim, sim, quero todos os seguros inúteis, com essa sua voz eu aceito todos os consignados do mundo, que se exploda a taxa de juros e os conflitos do Lula com o Banco Central, eu quero ser um homem endividado com Bia, quero que ela bata à minha porta e me cobre, me demande, quero acordar de madrugada colocar marmita na bolsa e pegar ônibus cheio só para vê-la satisfeita.

Parece que foi um passo grande demais. Ela disse que não estava me entendendo. Pedia pra repetir. Eu repetia. E nada. Foi nossa primeira D.R. – como sempre, por falha de comunicação.

Bia ameaçou me transferir a um atendente. E eu, iludido, crente que nossa relação era dual. Não quero falar com mais ninguém, Bia, só com você. Nada de trisal, ainda mais com o sujeito de sotaque gaúcho que já veio falando meu nome e perguntando como poderia me ajudar. Tu não pode fazer nada por mim, guri, só a Bia, Mas ela não quer mais meu amor, não é? Ela me despreza, não é? Desliguei e disquei novamente, com esperanças de que o atendente gaúcho repensasse a respeito dessa sem-vergonhice de poligamia.

Ai está você, Bia. Já saquei qual é a sua. Esse ar misterioso. O romantismo não é seu caso. Você quer ir aos finalmentes. Qual opção eu teclo pra te levar pra cama? Qual numero aperto pra você gemer no meu ouvido? Existe uma combinação possível de números pra você descrever com que roupa está vestida agora? Fala, Bia, fala que vamos virar uma noite transando enquanto 90% do sistema financeiro cheira pó vendo o Willian Waack falar sobre a taxa Selic.

De súbito a voz dela pareceu-me robótica. Foi como se eu tocasse o solo após horas numa montanha-russa. “Essa mensagem foi gravada e seu número foi passado para o setor de importunação sexual às atendentes virtuais” E desligou. Tentei retornar e fui avisado que estava bloqueado. Acabou, finish.

Não está sendo fácil abrir mão do amor, porque sim, eu amei Bia desde o primeiro oferecimento de cartão de crédito, desde aquele instantezinho em que ela me perguntou se eu estava tendo problemas com meu aplicativo. Eu me responsabilizo pelo que fiz. Mas tenho direito ao meu luto. Perdi Bia e preciso elaborar esse término. Isso ninguém pode me proibir. O problema é que quando joguei o celular no chão, com raiva, e depois o abri para ver se encontrava a voz de Bia lá dentro, só encontrei placas, fios e miudezas que não sei o nome. Por isso vim à agência física. Pra que você me diga qual é o nome daquelas coisas que têm dentro da Bia. Qual e o nome daquele vazio.