Um Tílburi na estrada

Um Tílburi na estrada é uma palavra estranha ao vento, em um dia de eleição. Assim começo minha enigmática contação, quando eu e sete amigos resolvemos pegar carona no calhambeque do meu avô. Lembrei-me da mesma palavra incomum na boca de Lucíola, no romance homônimo, cujo autor eu esqueci o nome. Era o trauma daquelas leituras somente entendidas com as explicações do professor Botino. Mas não se deve desistir de uma história se o começo é confuso. Neste episódio inusitado, estávamos a caminho das urnas e o carro testemunha um arranca-rabo político. Todos brigavam defendendo seus candidatos. Tentavam justificar seus erros. Vovô apontava todos. Palavras ainda mais estranhas foram ditas: Coxinha, doleiro, golpe. Sufrágio era de significado mais difícil para mim. Só não era mais insondável do que a corrupção. Acusavam uns aos outros de pelegos. Nossas escolhas políticas, em plena Avenida Brasil, arrastavam-nos para o abismo. Sussurravam meus Ancestrais. Instantes de silêncio interrompiam os argumentos dos extremistas, de direita e de esquerda. Aliás, eles tornavam-se aliados, quando ameaçados de extinção. Mas em extinção, mesmo, somente os corpos da juventude retinta. Faziam coligações, coalisões e acordos sombrios, acertados para acomodar abalos sísmicos nas bancadas, no parlamento em todas as esferas. Neste meio tempo, surge uma notícia terrível, uma bomba no Supremo. Calma, não era terrorismo. Alguns candidatos tornaram-se inelegíveis. E agora, José? Em quem votaríamos? Num corpo trans de cabelo black como o meu, por exemplo? Risos e deboche, logo seguidos de silêncio constrangedor. Todos envolvidos em falcatruas. Mas qual a novidade, disse um chefe de gabinete do prefeito candidato à reeleição. O trânsito engarrafado era uma metáfora apropriada à pandemia na maior cidade dormitório da Baixada Fluminense. A Internet noticiava o escândalo em massa. Havia provas irrefutáveis de uma infestação arquimalígna de predadores, ameaçando as Urnas. Coisa de deixar a Marvel e seus vilões com os pentelhos em pé, tamanho os superpoderes dos políticos brasileiros. Era muito talento e genialidade, geracionais, no Senado, no Congresso e na Casa do povo. Algo comparável à uma orquestra executando, com perfeição, uma sinfonia sem ensaio. Uma engrenagem sem precedentes. Consegue imaginar, leitor? Um Réquiem, onde o defuntado Brasil agoniza desde as capitanias hereditárias. Thanos, Galactus, Rapina eram fichinha neste cenário em que a lava-jato exibe, aos incrédulos, provas estruturais das propinas e esquemas. A praga alastra-se há 5 séculos pelo Executivo, Legislativo. E o Judiciário não consegue proferir sentença para os desmandos. Os togados, indicados pelas mesmas famílias indiciadas, estavam de mãos atadas. Surreal! O veículo dava sinais de severa angústia. Seria problema de bateria corrompida, marcha, em descompasso, ou combustível adulterado? Ironia à parte, descemos para empurrar. Mas o carro, na estrada, empacou como um burro que, aliás, não tem nada de ingênuo. Ele não carrega no lombo seus exploradores. O Tílburi recusa-se a transportar algozes. Eu me recuso a votar em predador. Era indignação, ruptura com as teses de ódio dos destros, canhotos e ambidestros. Enquanto isso, o poder inabalável da corrupção ecoa nas viciadas engrenagens. Diante do impasse, descartaram o Tílburi. Cada um pegou um Uber rumo às zonas eleitorais. Você consegue imaginar o desfecho da intolerância? Foi o fim das amizades de quase meio século. Os radicais continuam a defender suas ficções. Ou seriam facções? A Democracia vai bem, em Ruína, obrigada. E eu decidi me candidatar nas próximas eleições. Mas, e você, votaria em mim?