Um Papai Noel negro

O mês era setembro e a grana já tava curta. Tinha que escolher que conta pagar primeiro pra não ter telefone ou TV cortados. Tinha comentado isso com alguns amigos próximos, até que veio um convite:

– Precisamos de um Papai Noel negro pro shopping!

Além da carreira de professor, em que eu vinha ganhando dinheiro com um cursinho aqui e outro ali, tive uma história no teatro amador. Em 2005, fiz um curso na Escola de Papai Noel, mas o único papel que consegui como Papai Noel foi em orfanatos e projetos sociais. Meu amigo sabia e logo pensou em mim quando o shopping que ele trabalhava estava procurando um Papai Noel negro.

– Você é o cara perfeito pra isso.

Como não tinha nada a perder, fui lá. Duas reuniões com a equipe de marketing do shopping (nenhum negro) e alguns ensaios e estava pronto para ser o primeiro Papai Noel negro da história no lançamento do Natal do shopping.

De cara já foi bem estranho. O bom velhinho da Lapônia tinha ido parar em Madagascar. Talvez fosse o único país africano que aquele pessoal do shopping tinha referência, já que viram o filme da Disney. Anos de aulas de História não tinham me preparado pra isso.

Logo no lançamento do Natal já notava os sorrisinhos amarelos por ver um Papai Noel mais moreninho que o normal. Teve muitas matérias falando sobre a importância da diversidade, do pioneirismo do shopping… mas nenhum repórter veio falar comigo. Era mais importante a imagem de um Papai Noel negão do que a opinião dele.

O lançamento do Natal teve menos público do que ele esperava. Semana a semana tinham mais e mais crianças para tirar fotos comigo. Algumas olhavam estranho, outras parece que nem ligavam pelo fato da melanina em excesso. Algumas mães olhavam com surpresa, outras com indiferença e, não raro, uma mãe me via e tirava a criança da fila pra tirar foto. Mas acho que isso acontecia também com um Papai Noel de olho azul.

A cada dia que o Natal chegava, mais e mais pessoas vinham ao shopping e aquela rotina de vendas que inunda os shoppings nas festas já tinha me dominado. Antes de ser um Papai Noel negro eu era uma ferramenta de vendas. Até que uma cena me trouxe de volta a realidade.

A fila era grande e por mais que eu estivesse ocupado, vi minha filha no meio da fila. Pouco depois confirmei que ela veio trazer meu neto. Senti vergonha por encontrar meu neto vestido naquela roupa, trabalhando. Será que ele ia me reconhecer? A fila foi andando, a agonia foi tomando conta e eis que lá vem ele para tirar foto comigo. Cumprimentei minha filha com a frieza de quem não sabe se está trabalhando ou se está preocupado em encenar para uma criança. Resolvi seguir o protocolo, falar o que um Papai Noel de shopping falaria para uma criança. A diferença foi que, na esperança dele me reconhecer, olhei bem dentro dos olhos dele. Meu neto de dois anos olhou pra mim de volta, tomou fôlego e deu um grito! Desandou a chorar e, o que seria normal para uma criança naquele ambiente, me derrubou pra sempre. Meu neto, sangue do meu sangue, me olhou naquela fantasia e não me reconheceu. Todo orgulho que eu tinha de ser avô dele se foi, pois estava naquela fantasia ridícula de ancião do norte europeu e meu neto não me reconheceu. E eu também não.