Velhinha vizinha

Um amor de vizinha

Estava prestes a me casar. Festa, móveis, viagem… de tudo que tínhamos pra organizar, o que mais me preocupava era onde morar. Passei a vida toda numa casa, com poucos e conhecidos vizinhos. Uma paz danada. Nenhum deles dava festas até a madrugada, saía no pau com os familiares ou era adepto da surdez coletiva provocada pelo excesso de música alta e a falta de um fone de ouvido.

Além das exigências normais pra alugar um apartamento, procurava algo calmo e silencioso. Nada de janela de frente pra rua, de bares barulhentos, de escolas (de samba ou de ensino fundamental) ou mesmo rua muito movimentada. Do nada, visitamos um apartamento grande, bem localizado, antigo e numa rua arborizada. Terceiro andar, de fundos e só uma velhinha como vizinha mais próxima, que morava embaixo e pouco saía de casa. Depois de duas visitas fechamos contrato e pegamos as chaves.

No começo tudo é uma maravilha. Você pede desculpas pelo transtorno da mudança aos vizinhos, é simpático com todos e vai se adaptando à nova rotina. Em dois meses trocaram o velho sistema de interfones, que sempre estava com defeito, por um novinho, todo sem fio. Entre as inovações, não precisava passar fio na parede (como sofremos pra instalar internet de fibra óptica e uma tomada na varanda). Dava pra interfonar direto de um apartamento pro outro. E foi aí que a porca torceu o rabo.

A primeira vez foi num sábado à noite. Estávamos em casa e a vizinha do 203 liga reclamando que estávamos batendo com martelo àquela hora da noite. Expliquei que não éramos nós. Desliguei e pensei que a parede estava mesmo precisando de quadros. Comprei um martelo na mesma semana e ele continua guardado na embalagem até hoje. Na semana seguinte a vizinha interfonou de novo dizendo que já tinha meia hora que a cama batia na parede direto. Me segurei pra não dizer que queria muito que o Jorge agitasse a minha cama meia hora sem parar, mas preferi manter a educação e dizer que não era daqui. Mas foi o suficiente pra comentar da ligação com o Jorge e a cama sacudir mais que o normal aquela semana. Estranhamente, dessa vez, a vizinha não reclamou.

Outro dia toca o interfone. Quem era? A vizinha. Não estava em casa, mas Jorge atende e explica que não temos cachorro. Na verdade, nem ouvimos nenhum latido. Na mesma semana, Jorge tem que explicar, sozinho em casa, que não estava brigando e nem quebrando pratos em casa, muito menos havia gritando e xingando no jogo do Flamengo. Torcia pro Fluminense e nem acompanhava futebol direito. Enchi o saco e mandei um email enorme pra imobiliária. Expliquei que éramos silenciosos até demais. Que não suportamos sermos acusados toda hora de barulhos que não fizemos. Devia ser algum tipo de homofobia ou implicância dela com alguma família que morou aqui antes. Responderam com muita educação e sugeriram que, na próxima vez, fossemos lá explicar e se apresentar pra vizinha. Afinal era ela velha e reclusa e, no fundo, precisava mais de atenção do que explicação sobre barulhos que não fazemos.

Duas semanas depois, liga a vizinha dizendo que era pra dar o que comer àquela criança, pois ela não parava de chorar. Que criança, minha senhora? Dei cinco minutos pra ver se passava a raiva e fui lá falar com a velha. Toco na campainha dela que, com muita dificuldade, abre a porta e me cumprimenta. Nem bem me apresentei e fui logo falando:
– Minha senhora, tô cansado toda hora sermos acusados de fazer barulho em horas impróprias. Não sei o que a senhora tem contra mim e meu marido, mas não temos crianças e nem mesmo ouço choro de criança daqui. A senhora é uma desaforada e liga pra gente reclamando de…
– Meu rapaz, eu não liguei pra ninguém. Estava aqui assistindo minha novela quando…
– Como assim não ligou? A senhora toda hora interfona pra gente reclamando. Um dia é prego na parede, outro é cama batendo, outro é briga, outro é grito…
– Mas não fui eu – já disse a senhorinha fazendo cara de choro e desarmando meu espírito que veio mais armado que o Rambo no Iraque.
– Tá bom, senhora. Desculpe. Devo ter me enganado de apartamento.

Saí pisando duro e sem graça. Afinal ou tinha errado de porta mesmo ou aquela senhora tinha Alzheimer. No dia seguinte, cedo, vou eu pra imobiliária. Tinha que descobrir que dupla personalidade tem essa velha que um dia é o cão no interfone e no outro faz carinha de cachorro que caiu da mudança. Eu mal entro na sala e dou de cara com o senhor que me alugou o apartamento.
– Mil desculpas, senhor. Quem reclama do seu apartamento não é a vizinha do 203. Seu interfone com defeito e está tendo interferência do interfone do prédio da frente.