motorista volante fúria

Traição

Manoel atravessa a rua em direção ao estacionamento, onde deixara o carro na noite passada.

Não estava bem naquela manhã. As revelações de Leticia conturbaram seu raciocínio. Sentia-se indisposto, sem vontade alguma de trabalhar. Olha para um senhor a porta do estacionamento, curva os lábios, numa espécie de sorriso e resolve pôr o táxi na pista. Afinal, ele ainda “tinha” uma família para sustentar. Já no carro, os pensamentos amarrotando seus juízos, ele suspira: Era só uma brincadeira inconsequente e agora tudo pode vir agua baixo, seu casamento com a Luísa, seus três filhos!
– Não era pra tanto! – Ele diz a si mesmo.

Não era pra tanto… Uma aventura para quebra rotina e pronto. Resultado? Um teste de gravidez positivo. Manoel encosta o carro para o embarque do passageiro, o homem abriu a porta do carona e sentou ao seu lado:
– Bom dia, companheiro!
– Bom dia! – Responde Manoel, contrariado com a presença do passageiro no banco da frente.
– Olha! Tem dias na nossas vidas que não precisaria existir, não é mesmo? – Concordou Manoel

Sucinto, não queria assunto. Mas o homem queria:
– Qual é a sua graça, companheiro?
– Manoel! – Respondeu ele, com vontade de dizer “Até agora, só desgraça”.
– Prazer, Raul! Imagine você, Manoel, como são as coisas. A gente homem, às vezes nos jugamos tão sábios, tão espertos, olha o que aconteceu comigo.

Manoel respira. De desgraça bastava a sua, mas Raul nem percebe e continua:
– Sou casado há uns 18 ou 20 anos, não lembro direito, casamentos longos requerem um temperinho de vez enquanto, né? Uma loirinha daqui, uma ruivinha dali, sabe como é, né? – Disse Raul dando um tapinha no ombro do outro que quase o tirou da direção e prossegue.
– Mas há quase seis meses as coisas vem mudando pra mim – A voz do homem, mudou de tom – Encontrei uma morena, rapaz, espetacular! E não é só gostosa não, é carinhosa também, companheira…

Manoel não sabe porque, mas o pensamento voou para Leticia.
– A gente vinha se dando bem, estava até pensando em terminar o casamento por causa dela, acredita?
– Mas o que mudou? – Manoel ficou interessado.
– Um teste de gravidez que ela me mostrou semana passada!
– Acidentes acontecem – Comentou Manoel pensando em si mesmo e continuou – Mas, já não era desejo seu assumir a relação?
– Sim, estava disposto a assumir aquela vadia.
– E o que mudou? A gravidez?
– Sou estéril. Leticia nunca soube disso. Um homem não tem orgulho de contar essas coisas.

O nome Leticia estava fazendo eco na cabeça de Manoel. Ele não conseguia abrir a boca o outro continua:
– Eu amo tanto aquela infeliz, tanto… Que acabei de vender o meu carro para dar a ela o dinheiro do aborto.
– O que? – Manoel foi tomado de súbito por um amor paterno e saiu em defesa daquele que até então era o motivo de todos os seus problemas e começou agredir o homem, estando ainda na direção.
– Ah! Então é você? O canalha! Bem que desconfiei, muita coincidência, o mesmo taxista todos os dias.

Os dois se engalfinharam ao volante, o carro saiu da estrada, indo de encontro a uma árvore. Polícia e ambulância foram chamadas. Os dois sofreram escoriações leves e amputação de chifre.

Na delegacia descobriu que Leticia, que já foi Helena, Marília, Patrícia…  Estava grávida de mais dois chefes de famílias além deles. A prática era antiga. Ela sempre sumia após os abortos fictícios, levando o dinheiro das vendas de carros, joias de família, poupança das faculdades dos filhos, etc.

Raul recuperou o dinheiro do carro, comprou outro da marca e cor de preferência de Judite, sua esposa, e só dirige com ela no banco da frente. Para o trabalho, vai a pé.

Já Manoel tem dividido o aposento com Bidu, o cachorro da família, e ainda responde o processo por direção perigosa.