exposição de arte

Respeite o meu modo de ser

Cresci ouvindo a frase “Quem conta um conto aumenta um ponto”. Você já parou pra pensar quantos pontos tem um conto? Olha que dá pano pra manga, não é mesmo? Os sinais de pontuação são utilizados para facilitar a comunicação e a compreensão entre as pessoas, como referências para sinalizar os locais que precisam de uma pausa na fala ou na escrita. 

Bem, pontuações à parte, abro um parênteses: duas amigas com objetivos de vida completamente diferentes, que até então se gostavam e respeitavam, em uma exposição daquelas que o artista deixa livre à compreensão mas que mexe um bocado com a criatividade e a zona de conforto. Dulce, professora e crítica de arte, observa criteriosamente cada detalhe enquanto Karina não consegue compreender o que o artista quer dizer. Sem sentido algum, desiste sentando-se irritada em uma poltrona, recostando sua cabeça sem mover um músculo e, de olhos fechados, respira prestando atenção apenas no entrar e sair do ar de seus pulmões. De repente percebe que as pessoas passam por ela comentando, sorrindo, algumas até filmando. Intrigada, a moça se levanta, olhando para a parede, se afastando e tentando entender o motivo das risadinhas persistentes e se surpreende com uma série de sinais coloridos e a frase: “Decifra-me ou devoro-te”. Imediatamente uma senhora idosa senta-se na poltrona vazia fazendo selfies, dando a oportunidade para que a moça não só observe o seu entorno como possa também ouvir os comentários das pessoas se referindo a sua observada:
– Cruzes, será que devora alguém ainda? Que auto estima!
– O que esse artista está querendo dizer? Será que ela sabe que está fazendo parte da exposição?
– Absurdo brincar assim com as pessoas, ainda mais idosos(…)
– Meu Deus essa estátua de cera é tão perfeita que parece mesmo ser uma mulher idosa!
– Ai que vovó lindinha se permitindo brincar…

E os comentários não pararam até que Dulce se aproximou da amiga apressada falando:
– Vamos?

Karina segue sem dar uma palavra, se dirigindo para o bistrô na rua ao lado. Pede um café com bolo de limão e finalmente responde a amiga: – Sabe aqueles momentos em que você simplesmente não tem o que dizer além de pensar o que vim fazer aqui?

Dulce, compreendendo perfeitamente a reação de Karina (uma mulher absolutamente reativa ao novo, materialista de carteirinha, que acredita em numerários bancários, conforto, viagens, sem o menor interesse em arte e cultura), explica que o convite fazia parte de um laboratório sobre o comportamento das pessoas em relação ao abstrato. Como ela se encaixava perfeitamente na proposta, a trouxe sem maiores explicações, acreditando ser possível a amiga se divertir com as charadas e incógnitas, se interessando por algo que não fosse cabeleireiros, centros estéticos e etc. Simplesmente se deixando levar. Mas, ao contrário do imaginado, a reação da mulher foi terrível, que se sentindo usada e ultrajada se levanta num gesto impensado e grosseiro jogando o dinheiro na mesa, pedindo distância da amiga intelectual e abusada, gritando pra quem quisesse ouvir:
– Sou feliz do meu jeito. Respeite o meu modo de ser e PONTO!