pão caseiro

Receita de pão caseiro

Maria acordou antes que o galo cantasse. Lá fora, a escuridão da madrugada teimava em disputar com a claridade da manhã mesmo sabendo que a derrota era certa. Passando pela sala, de repente parou para observar o quadro que estava em uma das prateleiras da estante. Na foto, a filha Nicole com dez anos, no Natal na casa da avó paterna. A felicidade em forma de sorriso. Por que os filhos crescem? – pensou ela. Lentamente, passou em frente ao quarto da filha e suspirou. 

Chegando na cozinha, acendeu o fogão a lenha para aquecer a casa. Os ingredientes já estavam separados sobre a mesa. Começou a trabalhar. Misturou o fermento, o açúcar, a água morna e os ingredientes restantes. Aos poucos, foi acrescentando a farinha até que formasse uma massa bem macia. As mãos de Maria, impregnadas de sentimentos contraditórios sovavam a massa ou seria sua alma? Com a experiencia que tinha percebeu rapidamente quando a massa chegou no ponto certo, colocou o último ingrediente e depois que a massa descansou um pouco, levou-a para assar.

Quando o marido acordou, a mesa estava posta. Cheirinho de café fresco. O silêncio ocupava uma cadeira também. Maria serviu o café a Paulo na xícara cheia de detalhes, servida apenas às visitas. Paulo franziu a testa, intrigado. Mas não disse nada.
– Passa o pão – ele pediu.

Maria cortou uma fatia generosa. Pão recheado era o favorito de Nicole. A vida perdeu o recheio. O sabor. Instantes depois, o marido começa a sentir-se mal. Ela não presta atenção. Um filme entrecortado passa em sua mente. Passado e presente. A tristeza de Nicole.
– Maria, socorro!

“Nicole, tá tudo bem, filha? Barulho da xícara caindo no chão. O corpo inerte preso à corda. Dor que dilacera o peito. Corpo coberto de vômito. Pequeno caderno escondido no meio das bonecas guardadas. Infância roubada. Verdade insana e revelada. Corpo inerte no chão.  Maria esboça um sorriso. O ingrediente especial para o recheio não deixava dúvidas: a receita foi aprovada.