Realidade e fantasia

“Em setembro se Vênus me ajudar, virá alguém
Eu sou de Virgem e só de imaginar me dá vertigem”
(João Bosco/Aldir Blanc)

Não precisava ser adivinho para supor o sorriso por trás da máscara de Alice. A espera de mais uma dose da vacina, já se atreveu a sair para um lançamento de livro, depois de tanto tempo em isolamento. Arrumou-se bem e colocou suas bijouterias há tanto tempo guardadas. Chegou de máscara, mas papo vai, papo vem, mais uns brindes e uns tira-gostos do coquetel e ela, já sem máscara, revelava abertamente a todos seu sorriso.

O livro apresentado foi produto da lei de incentivo, a Lei Aldir Blanc, acionada na pandemia do Covid-19 como lei emergencial destinada à Cultura. Nele, alguns relatos foram dados pelos sobreviventes à doença. Graças às vacinas, a situação agora um pouco mais controlada, inibe os quadros mais graves. Ainda assim os que contraem o vírus têm sintomas dos mais variados, incluindo calafrios e vertigens.

O vinho estava bom, mas Alice ainda pouco à vontade no meio de tanta gente, adquiriu seu exemplar pensando em voltar logo para casa e prestes a chamar um carro de aplicativo, pensou ter visto um conhecido. Já tinham namorado no passado. Comentou com uma amiga, que assustada lhe falou ser isto impossível, pois este amigo estava internado, em estado grave. Alice esperançou que talvez ele tivesse tido alta sem que alguém soubesse. Seu olhar relutante seguiu na direção de onde o tinha visto, à sua procura. Mas que nada!

O carro pedido chegou. Alice se despediu de todos, não obstante com aquela impressão, olhou mais uma vez na direção que a atraía e ele estava lá a lhe acenar…

No dia seguinte, ainda sob os lençóis, olhou o vazio ao lado em sua cama. Sonolenta não distinguia realidade e fantasia, nas lembranças pela madrugada à dentro. Pega o celular vê as horas e em suas mensagens a nota de falecimento e horário do funeral do amigo da noite anterior. Ela não foi. Já havia se despedido dele.