Preciso que me ouça

Te chamei aqui hoje porque não aguento mais. E só você me veio a cabeça. Tudo começou quando a última pá de cal encerrou o enterro naquele dia quente de dezembro.

Alguns com rostos pesarosos, outros impassíveis e ainda outros com cara de que seria melhor estar na praia.

Mas só eu sabia a verdade…

Sabe, todos achavam que ela tinha levado para o túmulo, mas ninguém sabia que na minha última visita ela havia confessado tudo. As rugas de dor e do peso que levava consigo há tanto tempo pareceram diminuir enquanto desabafava.

Mas logo eu? Por que não tinha pedido a visita de um padre? De um pastor? De um pai de santo? Podiam tê-la absolvido e pronto! O que faço com isso agora? Nem é problema meu!!

Será que não devia contar e acabar com tudo isso? Não!! Racharia a família, acabaria com sua imagem…poderia até dar em morte. Se por um lado parecia banal, por outro seria o inferno na Terra. Seria como abrir a Caixa de Pandora familiar…

Isso iria me consumir tal qual fez com ela boa parte de sua vida. Não pedi nada disso, não queria nada disso! Então, por que não fui embora?

Ah! O bichinho da curiosidade, que na maior parte das vezes só traz problemas, me picou e eu fiquei lá, estática, ouvindo aquilo tudo. Não podia ser verdade, não podia!

Os meses foram passando e a família começou a notar minha mudança. Estava mais calada, pensativa, policiando meu olhar e minhas palavras. Vai que num momento de conversa com meus irmãos, primos ou tios eu cometo um ato falho? Por que isso é possível, não é? Afinal, ato falho é quando a boca explode do que a mente está cheia… Mas juro que se não contar minha vida estará acabada. Então, antes ele do que eu.

Por isso te escolhi pra dividir comigo esse peso. É, você!! Você que está me ouvindo desde o início. Tenho certeza que em ti posso confiar para amenizar meu coração. Somente não me julgue, está bem? Está ouvindo? Então, aqui vai: