bandeja docinhos

Óleo de sogra

Nunca, jamais, em nenhum momento anterior da história gloriosa de Glória Lúcia, ela havia sido tão humilhada. A festa acabou e tinha ficado tudo lá, esquecido, abandonado, desprezado. 

O aniversário era de seu neto, Mauricinho, então Glória fez questão de relembrar os velhos tempos e preparar todos os docinhos, os mesmos que fazia há trinta anos, nas comemorações de Roberto, o quindinzinho da mamãe, agora pai de Maurício. 

Um cento de brigadeiro, aquele do granulado compridinho. Mais um cento de cajuzinho, meio cento de beijinho de coco, meio cento de brigadeiro branco e, é claro, um cento de olho de sogra. Que doce enjoado de fazer… A começar pela hidratação da ameixa, cinco minutos na água quente. Depois, cortar as ameixas ao meio, sem separar as duas metades. Imagina, fazer isso tudo cem vezes?! 

E tudo isso para que? Para nada! E sabe por causa de que? É claro, por causa de sua nora, Patrícia, aquela patricinha, toda trabalhada no desperdício, que contratou um monte de coisa desnecessária: carrinho de bala Fini, cascata de chocolate, brigadeiro gourmet… enfim, os doces mais caros, perfeitos para aquela molecada da geração Nutella, que não sabia mais valorizar o verdadeiro sabor da infância.

Por causa daquela sirigaita, uma generosa e deliciosa quantidade de açúcar, preparada de forma tradicional, com as bem guardadas receitas de família, estava ali encalhada. Mas Glória Lúcia estava decidida a mostrar do que o olho de sogra era capaz. Aliás, o olho só não, a sogra inteira: plena, poderosa e empoderada. 

Enquanto estava imersa em seus pensamentos de fúria, a doceira ressentida nem percebeu aquela aproximação inesperada:

 – Oi sogrinha, tá tudo bem aí?

 – Ah… Oi Paty. Que bom te ver. Estava mesmo querendo falar contigo. Você sabe como sou exagerada, acabou sobrando um monte de docinhos. Estou separando um pote pra gente levar pra casa. O Robertinho sempre adorou esses.

– Obrigada minha querida, que amor! Mas não precisa botar muito não, porque o Bob tá diabético, eu estou de dieta e o Mauricinho não pode ficar se enchendo de besteira… Mas muito obrigada, viu?! Você é a melhor sogra do mundo!

Enquanto Patrícia foi se despedir dos últimos convidados, Glória desfez o sorriso forçado e retornou para seu universo de ira. Bob era um apelido ridículo para um nome tão bonito como Roberto, que ela havia escolhido cuidadosamente para seu bebê. Além disso, a desenxabida havia chamado seus doces de besteira. E, ainda por cima, não entendia o porquê de a nora estar sempre fazendo regime, decididamente umas calorias a mais até fariam bem para dar um certo volume àquela bunda magra.

Mas Glória Lúcia não era de vacilar. Não dava nenhum motivo para aquelazinha retirar seu quindim debaixo das asas da mãe. Por isso, quando ficou viúva, deu logo um jeito de vender o apartamento e mudar para a casa de seu garoto. 

Quanto a sua nora, a quituteira nem precisava se esforçar tanto para disfarçar seus mais profundos sentimentos. Glória era uma atriz nata: nada como um bom óleo de peroba para uma genuína cara de pau.