O cavalinho

Ganhara o seu cavalinho de pelúcia aos catorze anos. justamente do seu primeiro e único amor de toda a vida.

Lembrava-se que o conhecera no colégio. No início pensou que fosse só urna amizade masculina. pois além da irmã. só tinha contato com os primos, nas férias escolares. Coisas típicas de cidade do interior.

Foi um dia, na saída do colégio. a cantinho de casa que os dois pegaram chuva grossa. Correram até avistarem unta estrebaria abandonada próxima à estrada. Ensopados. da cabeça aos pés. inocentes, despiram-se sem nenhum pudor e penduraram as roupas, numa tentativa de amenizar o encharco.

Dois minutos após, Deus iluminou-os com um forte clarão. seguido de uma estrondosa trovoada. Eles se abraçaram sem querer e sentiram a energia da vida entrando por todos os poros. Arrepiados. num momento sublime, seus corpos pareciam colados c seus lábios se tiniram dentro da paisagem de um Éden imaginário.

Assim permaneceram até que suas partes pudendas começaram a ficar intumescidas c bruscamente se repeliram. com olhos de pecado.

Voltaram a se encontrar na sala de aula e não se atreveram a trocar olhares, por mais que um sentisse a presença forte do outro. assim como uma ferida aberta. queimando a pele e as entranhas até o final do curso, quando se separaram e não mais se viram.

Na primeira semana no novo colégio, ela recebeu um cavalinho de pelúcia. com o bilhete: “me desculpe se não me comportei como um cavalheiro. mas como um cavalo, naquela estrebaria. Com amor, até o fim de minha vida”. (fulano).

Ela se apegou ao cavalinho desde o primeiro contato e deu-lhe o nome de Diamante. para que fosse eterno.

O tempo passou. Jovem. brilhante. exuberante e bonita. não lhe faltavam pretendentes e acabara prometida ao filho do compadre de seu pai. Do futuro esposo. ganhou um belo e valioso anel de diamante. junto ao compromisso de núpcias no final do colegial.

Casou-se na sua cidade e foi morar numa outra, para ela. desconhecida.

Levou consigo o cavalinho. roupas e dote. Quanto ao anel. perdera ainda na primeira semana de uso. Procurá-lo foi uma azáfama.

Como boa parideira, ela teve filhos, destes, netos e deles bisnetos. Aos 80 anos ainda trazia ao seu lado o cavalinho e seu mistério em silêncio. Mistério que talvez lembrasse quando cochilava, às tardes. em sua cadeira de balanço. pois era nessas horas que se vislumbrava em seu rosto o mais belo sorriso.

Nessa mesma cadeira. um pouco antes de dar seu suspiro final. repetiu: ” – O diamante! O diamante!” E se foi para sempre.

Hoje está fazendo uma noite chuvosa, relâmpagos e trovões agitam o vazio das ruas.

Embaixo de uma marquise, dois meninos de rua brincam com um velho cavalinho de pelúcia. que acharam no lixo à beira da calçada.

Um fala: “- Ih! Achei um anel brilhante dentro do cavalinho!”
O outro responde: “- Vamos fingir que é um diamante?”

 

Conto extraído do meu livro de contos “As Margaridas Estão Cada Vez Mais Raras”, página 15.