Nildinha luxúria

Desde sempre se sentiu tolhida pelo juízo alheio. Sempre se preocupando se estava agindo corretamente, se fulano aprovaria, se não estava incomodando o vizinho ao lado. Mantinha uma vida regrada: trabalho, escola, cursos, academia, missa aos domingos. Nas raras vezes em que se permitia curtir uma balada, antes da meia noite – tal qual uma gata borralheira – já estava na cama, prontinha para se entregar a Morfeu. Evitava as roupas curtas e demasiadamente reveladoras, se escondia sob os panos: longos vestidos e saias; escondia não somente o belo, voluptuoso  e curvilíneo corpo, escondia também os desejos que viviam a aflorar os pensamentos. Ignorava os arrepios que lhe percorriam a pele, desviava os olhares do mundo devorador e lascivo que, independentemente de sua vontade, vivia a perscrutar e a cobiçar seu corpo de menina pura e casta.

Os meninos e meninas na rua, na escola e veja só – Deus me livre! Em nome do pai, Espírito Santo, amém – no catecismo, veja se pode, no catecismo. Até o padre Liberato.  (Na última missa ela jura ter visto ele a olhar descaradamente para suas pernas).  Mas quem em sã manutenção de corpo e alma poderia ficar em paz com aquele pedaço de bom caminho que é Padre Liberato? Quando ele pega na bíblia, com aquelas mãos enormes, ela quase desfalece. A bíblia fica diminuta naquelas mãozorras. E o cálice? O cálice falta pouco desaparecer entre aqueles dedos poderosos que, ele, Padre Liberato, lentamente – como a querer lhe provocar ou atiçar sua libido, testar sua fé e crença em Nosso Senhor ou quem sabe tentar lhe enlouquecer – leva aos grossos lábios e sorve com classe cada gota do sagrado líquido a encarando com aqueles olhos negros e misteriosos. Em seus devaneios, padre Liberato era sempre o salvador que invadia o baile funk impedindo que os maravilhosos dançarinos viessem lhe encoxar ou sabe-se lá mais o que fazem nesses antros de perdição. Nos pagodes, nas praças e quermesses lá estava Padre Liberato a lhe salvar. O triste é que quando ele tomava a coragem para lhe roubar um mísero beijinho, despertava assustada, o coração disparado e o corpo lavado em suor. Deixou de ir à igreja. Na sua imaginação as carolas já tinham percebido o que estava rolando entre ela e o Padre Liberato e logo, logo começaria a falação. Não poderia cair assim, fácil na boca do povo. Imagina o escândalo? Por outro lado… na escola, a professora Liandra usava uns batons de tons fortes e chamativos, unhas pintadas na mesma cor. Engraçado: em três anos naquela turma nunca havia notado o quão bela e e e… Gostosa era a professora! De gestos delicados, diria até que estudados, como se desejasse se insinuar para algum aluno – ou aluna – será? Não, não é possível. Se bem que… ela, Liandra, sempre lhe escolhia para fazer a leitura. Sim, agora tudo ficou claro. Era sempre atenciosa e inclusive se oferecera para tirar-lhe as dúvidas após o horário. Huuum… como seria? Com uma mulher? Nunca pensara a respeito, embora a professora Liandra… aquelas unhas… aqueles lábios… sei não… Melhor mudar de turno ou de colégio!

No caminho para casa, achou que o motorista do coletivo lhe lançara um olhar libidinoso, o cobrador, sem vergonha, roçara em sua mão ao pagar a passagem, um passageiro abusado veio encostar-se à sua bunda. Resolveu descer do ônibus e chamar um carro por aplicativo… mas o motorista lhe sorrira significativamente, atencioso demais! Melhor ir pé. Mas há tanta gente bonita nas ruas… E aquele garoto, mesmo acompanhado não desvia o olhar do seu corpo, flertando descaradamente, nem mesmo respeita a moça que está ao seu lado. Chegando à academia, estacou uns minutos antes de entrar. De certo, viria aquele instrutor de corpo super, ultra, mega definido, se postar pelas suas costas à guisa de corrigir sua postura e tirar uma casquinha. Depois viria o bombadão da academia – tipinho irritante – que se acha, na sua torpe cabecinha, o último maná da terra. – Ufa! Como é difícil manter-se casta neste mundo de perdição – Pensou fazendo, várias vezes, o gesto da cruz, entrando com passos decididos na academia, avaliando se valeria a pena trocar de ginásio.