Libertação

Levou, instantaneamente, o dedo à boca ao sentir a picada da agulha. Uma minúscula gota de sangue manchou o bordado. Nada que pudesse estragar o lindo trabalho artesanal e não fosse limpo com uma gotinha de multiuso.

Ao seu redor, suas amigas, concentradas na tarefa, não se davam conta do ocorrido.

Ritinha, como é conhecida atualmente, deixou o bordado tombar sobre o colo e, por alguns minutos, suas lembranças a dominaram.

Foram quase dois anos de submissão e sofrimento ao lado do homem que amava como nunca amara alguém. Entregara-se totalmente a um amor que pensava ser correspondido. Encantou-se por um monstro dissimulado e perverso.

Conheceram-se no barracão da escola de samba, durante os ensaios para o carnaval daquele ano. Uma de suas paixões era desfilar na escola de samba do seu coração. Do namoro ao casamento foram seis meses de felicidade, presentes e carinhos.

Já no primeiro mês, após o casamento, começaram as mudanças no relacionamento. Obrigada por ele, abandonou o trabalho e a cada dia se via mais isolada dentro de casa. As agressões verbais deram lugar às físicas. O medo a paralisava. Até o dia que reuniu todas as suas forças e decidiu, após quase ser morta, dar um basta e pedir socorro.

Esperou seu algoz adormecer e correu à casa da vizinha que a ajudou a ligar para a polícia. Passou pelo exame de corpo de delito e foi encaminhada para uma instituição de acolhimento.

O criminoso foi preso e Priscila deixou seu passado para trás ao entrar no Programa de Proteção à Vítima e Testemunhas.

Uma suave brisa, vinda do mar de um estado nordestino onde agora vive, a trouxe para a realidade.

Antes de voltar ao trabalho da Associação das Bordadeiras do Município esboçou um sorriso de alívio. Sentia-se uma borboleta vivendo sua metamorfose, saindo do casulo e abrindo suas asas, prontas para voar.