camisa fluminense

Josefina, a maior fã tricolor

Toda quarta e domingo era a mesma angústia. Josefina acordava bem cedo e colocava o rádio na janela da cozinha, com um chumaço de palha de aço na ponta da antena pra sintonizar seu programa favorito: A Hora do Gol. Perder a abertura com aquele refrão dos meninos de Belo Horizonte? Nem pensar!

“Bola na trave não altera o placar
Bola na área sem ninguém pra cabecear
Bola na rede pra fazer o gol
Quem não sonhou em ser um jogador de futebol?”

Josefina ficava animadíssima ao ouvir o programa. Prestava atenção em tudo: no placar das partidas, nos piores e nos melhores jogadores do campeonato, quem levou cartão amarelo ou vermelho e, claro, quem estava prestes a ganhar o Estadual e o Brasileirão.

Quem via Josefina naquele entusiasmo, vestida com a camisa do Fluminense (mais surrada que o pano de chão da birosca do Seu Manoel), nem imaginava que ela jamais havia pisado num gramado.

A paixão pelo time tricolor foi herança de seu avô Joselino, que Deus o tenha. Antes de morrer, chamou a neta e lhe entregou a camisa, a bandeirola do time e um relógio antigo que costumava usar nos dias de jogo pra cronometrar o tempo de bola juntamente com o árbitro. Certa vez, seu avô até comprou um apito para ficar mais parecido com o tal juiz e sentir-se importante. Pois Josefina recebeu sua herança de bom grado e prometeu ao avô dar continuidade àquela paixão pelo time.

A propósito, deixe-me contar como seu Joselino tornou-se um fervoroso torcedor do Fluminense. Foi após um acontecimento quando ele ainda era jovem. O time tricolor da época, foi convidado pelo prefeito pra disputar a final de um campeonato justamente na cidadezinha onde ele morava. Quando os atletas estavam quase chegando, o ônibus atolou num lamaceiro da estrada. Foi aí que Joselino e seus amigos entraram na jogada. Os jovens se uniram pra desatolar o veículo, e conseguiram! Em agradecimento, os jogadores autografaram suas próprias camisetas e deram de presente pra aqueles rapazes. Seu Joselino nunca na vida recebeu nada melhor.

Mais de uma década  havia se passado, e Josefina continuava fiel à sua promessa. Religiosamente, às quartas e aos domingos, sintonizava o rádio n´A Hora do Gol. Às vezes, mal conseguia ouvir a transmissão. O rádio era muito velho, o chiado era alto demais, e a distância entre o vilarejo onde ela morava e a capital mineira, maior ainda. Era justo nesses dias de transmissão ruim que ela sonhava, sonhava acordada em conhecer a capital e em participar de seu programa favorito, lá na rádio, ao lado dos locutores.

Sonhar fazia muito bem à Josefina. E era tudo o que ela podia mesmo fazer. Religiosamente,  mantinha sua promessa e ouvia A Hora do Gol, toda  quarta e todo domingo. Mas um dia o rádio quebrou. Quebrou de velhice e não teve jeito de consertar! Josefina ficou desesperada, porque não podia deixar de ouvir o programa. Seu maior desespero era o de parar de sonhar.

Muito contrariada, passou a frequentar a birosca do Seu Manoel, só por causa do Fluzão. Josefina não gostava do portuga. Homem carrancudo e sem modos. Nem conseguia entender direito o que ele balbuciava por entre os dentes e o bigode. Mas valia o sacrifício pra se manter fiel ao avô.

O tempo foi passando… Seu Manoel, cada vez mais admirado com a fidelidade e persistência de Josefina, foi tomando gosto por sua presença. O portuga decidiu então fazer-lhe uma surpresa. A inscreveu no sorteio da rádio. Se ela ganhasse, iria participar do programa na capital. Pois não é que a sorte sorriu pra Josefina? A gaja quase morreu de alegria!

Com a ajuda de uns poucos vizinhos, preparou uma pequena mala e embarcou no ônibus. A capital era logo ali. Mal podia acreditar que estava na rádio com aqueles locutores que tanto ouvia, toda quarta e domingo, pela AM. E sim, lá estava ela, com seu vestido de veludo (o único que tinha), participando d’ A Hora do Gol. Se não bastasse a alegria de estar em Bel Zonte, naquele dia ainda seria sorteada uma viagem com todas as despesas pagas pro Rio de Janeiro, pra final do campeonato no Maracanã! Seria um clássico daqueles: Fluminense x Botafogo.

A torcida foi gigantesca, e sem marmelada, Josefina foi premiada! Dessa vez, mais amigos a ajudaram a fazer a mala. O coração da moça parecia que ia sair pela boca, tamanha a euforia. A capital carioca ficava alguns quilômetros mais que ali. Pouco importava, finalmente ela assistiria seu Fluzão jogar ao vivo e a cores.

Vestiu a camisa surrada, segurou firme a bandeirola enquanto soprava forte o apito do vô. Depois de noventa minutos de muita gritaria, suor e lágrimas…o Fluminense venceu. Josefina não se conteve, correu pro gramado e comemorou com os jogadores. Que dia memorável!!

Na manhã seguinte, preparou um cartão postal e enviou ao Seu Manoel pra agradecer por tê-la inscrito no sorteio da rádio. O postal chegou rápido. Portuga ficou tão entusiasmado com a mensagem da gaja que fechou a birosca e foi encontrá-la no Rio de Janeiro!

Agora, Josefina nem precisa mais do velho rádio… Assiste tudo pela TV colorida e, nos dias de campeonato no Maraca, apenas atravessa a rua. É logo ali.