Bastião
Recebi a visita de um primo distante. O tal que todo mundo diz que tem. Sim. Ele mesmo. O tal do primo rico. Sua esposa estava toda arrumada. Aliás, arrumada é maneira de falar de quem não pode elogiar muito a esposa do amigo ou familiar sem se sentir ou gerar um constrangimento. A rapariga tava era muito da linda! Fazia até a minha mulher se constranger e receber eles muda ficando calada só balançando a cabeça desconfiada em qualquer conversa.
Celeste
Quando o meu esposo e eu recebemos o casal em nossa humilde casa, no outono do ano retrasado, para um jantar simples que tinha uma única ideia: conhecer a nova esposa nova do Gláucio, primo do Tião, que mora no Leblon, a gente deu uma baita faxina no sítio, só pra receber eles mostrando que somos felizes, apesar de não tão bem de vida, e bem limpos! O famoso bordão “pobre mas limpinho” ridículo que Tião abraçava como tantos outros clichês oitentistas.
Conversamos normalmente por horas, bem, eu nem tanto. Fiquei muito quieta. Não sei explicar o porquê. Mas agora me recordo que notei que ela estava usando uma peça do que chamavam, lá na vila onde minha bisavó morava, em Rondônia, de “pedra clara”. E a pedra era bonita. Parecia cara. Coisa bem feita. Brilhava muito. Tanto quanto o sorriso dela. Eu sei que calei por conta das histórias que me contaram
quando era pequena…
Gláucio Ramalho Rios
Vocês não sabem da maior! Presenteei minha linda Tamara com esse cordão com uma pedra muito especial. E ela fez questão de usar hoje sabendo que a localidade é tranquila e não corre risco de assalto. Olhem que lindo!
Tião
Lindo mesmo, primo, que bom que vocês tem muito bom gosto nas escolhas.
Tamara
Eu adoro usar ele, apesar de pequenino, é muito brilhante, fica perfeito à luz natural. Elegante. Nunca tive essas vontades de usar joias, mas o Gláucio não para de me dar esses presentes. Insiste tanto pra eu usar! Então…
Celeste
Olha, eu sei de algo que combina demais com esse brilho. Que tal a gente dar uma volta na beira da cachoeira do sítio, lá tem uma vista linda do céu e vocês vão amar o brilho das estrelas aqui no interior! E assim fomos. No caminho vi que minha tia avó, Dona Rosa, estava recostada na varanda meio que observando o mato e ouvindo o barulho muito forte vindo da cachoeira, perto lá do nosso cantinho, a convidei também. E tia Rosinha foi o caminho todo bem devagarinho, olhava pra gente com gratidão, na noite mal iluminada. Mas olhava muito a moça Tamara também. Parecia.
Tamara
Nossa! Como é lindo! Mas isso aqui tá muito frio! Não vamo ficar muito tempo aqui não!
Celeste
Tia Rosinha conta uma história lá da nossa terra, pra gente volta com o coração preenchido de boas lembranças lá pro aconchego?
Rosinha
Eu ri por dentro. Cheguei bem perto da moça de vestido vermeio. Oiei pa ela. Dissassim pa dendo ói carin… um sá suste naum qui é pa mode fica boa nos caminho da vida sem peda crara qui bria forte ma co inteligença qui vai briá mai de de pedra, pia… Entom peguei a peda crara e juguei na caxoeira rio abaixo….
Celeste
Diante daquela ação inesperada ficamos alguns segundos em silêncio. A semi escuridão forçava-nos um pouco a visão então não conseguimos acreditar muito. Tamara ficou muda e imóvel. Gláucio gritou. Irrompeu o silêncio das quedas d’água com desespero. O diamante atirado às pedras deveria ter um preço altíssimo para Gláucio. Tia Rosinha pegou nas bochechas do Gláucio e…
Rosinha
Ocê não fica aí de graça não. Purque foi o avô teu que matô parte da minha família lá na nossa terra qui ocês tudin chamava di nóis de Cinta Larga! A fia pediu pa contá uma história! Uai, tô aqui contano a história qui é pa contá! Foi o teu avô sim. Um tar di Jusé Milton de Andradi Rios qui di rio num entindia era nada! Eu era pequenininha, escapei foi di soirti, vice? Tudos pessoa que ocês mataru, teu avô, era meu povo Cinta Larga, e mataru justamente pa pegá essas pedrica que bria. Num tá certo! Num foi certo! Agora a pedrica vorta pro lugar donde num devia ter bolido!
Celeste
Foi mais ou menos assim que nunca mais ouvimos falar daquele primo rico.