Depois eu conto o final…

(…) Pois é! Sabem aquele meu esquete cômico: “O monólogo da Louca no paraíso”? – Transpôs os muros do condomínio, foi parar no Youtube, viralizou! Então, sem querer, fiquei famosa. Virei uma espécie de estrela midiática instantânea – de uma hora pra outra – de karaokê-stand up à coaching. Tipo assim: cheguei até fazer umas dez palestras e, sempre, interpretando a “louca”.

Nesses últimos meses, devo ter acrescentado algumas horas aos meus quinze minutos de fama, de que faria jus qualquer pessoa, segundo uma tese que vai se saber qual a importância disso?! Só que eu não estava gostando nadinha dessa invasão de privacidade e, de tal forma que já vinha perdendo a minha própria identidade diante do espelho, e, sinceramente, com meus próprios botões: “tava demais pra mim?!”

Então, decidi mudar as coisas! E fiz de supetão, ou seja, não foi difícil recuperar a antiga e pacata vidinha burguesa e solitária, foi só me trancar no apartamento, como aliás, já havia decidido há tempos… desde o divórcio, e… com a filhota morando fora (…) Ah! A minha querida e refrigerada sala de estar. Meus livros, meus vícios, minhas escolhas… e nada mais. A noite calorenta lá fora, e aqui um oásis – dá até pra se enrolar numa coberta… e… ouvir aquelas canções de tempos idos: MPB da boa. Aquela do Belchior já foi “…♪as borboletas♪…”, então, a seguir: “…Eu desisto♪… – Cara! Como adorava essa música! – Pô, o Taiguara morreu bem jovem… O João também adorava… não, ADORA!!! Chata essa coisa de pensar no ex como se já tivesse morrido – O João tá vivinho, caramba! E tá casado de novo. É o jeito dele, gosta de companhia!

E foi logo nos primeiros seis meses de nossa separação! Fazer o quê?! Eu prefiro a solidão e essa liberdade sem ninguém pra dar satisfação, nem pra me cobrar as coisas! E o que há de melhor: essa paz, esse vinho, esse som e… Putz! Agora é que ferrou tudo! E essa é uma daquelas que voam, e “tá” vindo pra cima de mim! Vou me esconder debaixo da coberta como fazia quando criança pra fugir do bicho papão. Mas é claro! Se eu não a vejo com certeza ela também não me vê! Vou abrindo um buraquinho pra espiar pra fora e… Caraca! Lá está ela me encarando… – ela parece um monstro pré-histórico. Dizem que vão sobreviver à guerra nuclear. Só pode ser criatura do diabo! Se não, qual razão dela existir? Só pra ferrar com os meus planos de uma noite de verão! E Kafka deu a maior moral pra elas – vai entender!

O João era o cão pra matar barata. Chegava resoluto, espalhava umas panelas pra lá e pra cá, se estapeava com ela e, não tardava, já vinha segurando-a nos dedos, dependurada pelas anteninhas e ainda se estrebuchando nas perninhas. Daí, ele a jogava na privada. Eu só saía lá do meu cantinho quando ouvia a icônica descarga salvadora. A filhota também era audaz – é audaz! Nisso puxou ao pai! – vai lá, remexe nas panelas, espalha as coisas ao léu, se estapeia com a danada e, zaz – chega com um guardanapo embolado com ela dentro. Então vem a privada, a descarga… eu… aliviada! Mas… agora não tem ninguém pra me salvar!… “…Meu pedaço de universo é no teu corpo / Eu te abraço, corpo imerso no teu corpo…”

Cadê vocês nessas horas?! Quem mandou querer ser independente? Se fosse uma borboleta seria a melhor coisa, mas barata…?! Parece que já nasce pronta pra luta! E já nasce grande e… ainda voa… a borboleta até se parece comigo, como uma metáfora existencial: eu estava numa espécie de casulo e agora, solta, e, ao mesmo tempo aprisionada neste casulo de pano e com um baita medo… …♪estou morto pra este triste mundo antigo…”.

Vou rezar pra Deus, que nem eu fazia com o bicho papão. Sempre dava certo!(…) Ora! O que vejo?! Uma lagartixa sorrateira… foi Deus! Veio mandada não sei de onde, e parece estar atrás da diaba… e… tem a cara do João. “…Que o meu porto, meu destino, meu abrigo / São teu corpo amante amigo em minhas mãos…” De lagartixa não tenho medo, inda mais com a cara do João. Deve ser lagartixa macho – olha só o jeitão: ficou lá paradinho, sem piscar, encarando a besta – olhos nos olhos e, num golpe preciso – NHAC – abocanhou-a sem qualquer estardalhaço… Foi pá e pum! O João perdeu pra ela!…Ops! De repente me vem uma nova ideia pra reeditar a saga: “A louca no paraíso e a barata” – em vez da camisa de força posso usar um edredom (…) . . .

(…alguns minutos depois…) “…Volta! Vem viver outra vez ao meu lado…” Onde foi que ela entrou? Onde foi parar a peste?! Não vou deixá-la solta por aí cagando nas minhas coisas! Esta eu encaro sem pena. De lagartixa eu não tenho medo, inda mais com a cara do João… “…pois meu corpo estava acostumado!♪…