Confissões e conjecturas de uma borboleta

– Acabou o tempo. Tenha uma boa tarde e até a próxima sessão.

E saiu do consultório descontente com aquelas reticências às suas interrogações. Afinal, nem saberia, dada a efemeridade de sua condição, se lhe seria concedido um amanhã, e a doutora fala “Até a próxima sessão”.

– Bruxa!

Estava cansada de levar a culpa sobre o caos do mundo, com aquela velha história de como um bater de suas asas poderia influenciar o curso natural das coisas; cansada de ser objeto de coleção, ao bel-prazer de um vaidoso colecionador, a ficar espetada por alfinetes.

– Não sou Cristo!

E, também, estava cansada daquela musiquinha maluca de “Borboletinha tá na cozinha, lá, lá, lá, lá, nariz de Picapau”.

– Picapau é o escambau!

E ainda lutava e empunhava bandeira contra a tentativa de constrangimento e bullying de quando, por maldade alheia, a chamavam “Filha de uma asquerosa Lagarta!”.

– Imagina!, ter que se submeter ao jugo ardiloso por associarem lagartas com o que há de ruim.  Injustiça!

Não negava e não se envergonhava de seu passado. Ao contrário, lhe tinha orgulho. Orgulho no bom sentido do termo, porque mais que a sua transformação em beleza conquistada com esforço e laboração num casulo, prezava sua missão hercúlea polinizadora. E ela seguia, lá com seus botões, em confissões e conjecturas:

– Afinal, não estamos nesse mundo vão em vão. Equilíbrio é a chave, pois se o belo atrai os predadores, o colorido que nos camufla, também nos salva!