Cinema paradiso

Cinema Paradiso

Auguste acordou animado. Tinha chegado o grande dia. Seu irmão, Louis, havia conseguido dois convites para irem juntos ao cinema, mas em um lugar diferente e de uma forma que eles jamais experimentaram antes: uma verdadeira sessão de gala. 

Auguste tratou de caprichar no visual. Pensou em usar uma bengala, mas não tinha nenhuma. Resolveu então improvisar com um guarda-chuva, mas estava sem. Lembrou da última tempestade que enfrentou, as ruas alagadas tal qual um Titanic sendo invadido pelas águas, soprou então uma rajada mais forte e o vento levou aquela que era sua última sombrinha. Conformado com o fato de que já estava todo molhado mesmo, voltou à casa cantando na chuva. 

De volta para o futuro… melhor dizendo, para o presente, Auguste tirou sua elegante roupa do armário. Ele próprio havia desenhado virtualmente e, quando a vestiu em seu avatar, teve a certeza de que estava tudo perfeito. Agora, em seu próprio corpo, sentiu-se desengonçado. Partiu, mesmo assim. 

Não foi difícil achar o Cinema Paradiso, construído especialmente para a sessão. Ficava ao lado da Lagoa Azul e bem em frente ao castelo de Hogwarts. Logo na chegada, avistou seus dois amigos de longa data: o carteiro e o poeta. Aliás, desejou que tantos outros queridos escritores, que já haviam partido, pudessem também estar ali, mas então aquela exibição se transformaria em uma genuína sociedade dos poetas mortos. 

O local estava brilhando de tão lindo e limpo, mas um único inseto, a mosca, teimava em circular pelo recinto, zumbindo no ouvido dos convidados. Aquela presença era meio inesperada, mas tudo bem, afinal de contas “a vida é como uma caixa de chocolates, você nunca sabe o que vai encontrar”.

Já quase na hora de iniciar a sessão, estranhou que Louis ainda não havia chegado. O convite era bem específico quanto à pontualidade do horário de fechamento dos portões. Faltando poucos segundos, eis que surge o iluminado, correndo em velocidade máxima. Esgueirou-se pela porta, a qual já estava se fechando. Seu chapéu chegou a cair no chão, do lado de fora, mas Louis conseguiu apanhá-lo no último instante antes do trancamento total do salão. 

Finalmente reunidos, os irmãos passaram pelo tapete vermelho e procuraram seus lugares. Discutiram para decidir quem ficaria mais próximo ao corredor. Algo que poderia ser bem simples se tornou uma verdadeira escolha de Sofia. Por fim, Auguste cedeu o assento desejado para Louis, afinal de contas, ele sempre saía mais vezes para ir ao banheiro. 

Na cadeira ao lado, um adulto e uma criança discutiam. “Deixa eu pegar a pipoca”. “Claro que não, quem você pensa que é?” “Para com essa bobagem Luke, eu sou teu pai” “Mas eu não sou Luke, eu sou Spartacus”. Enfim, uma discussão sem sentido, bem típica desses tempos modernos, surreal tal qual uma película de Buñuel. 

Ultrapassada aquela celeuma, já com as luzes da ribalta apagadas, os irmãos observaram o lanterninha, que passeava pelo recinto vestido de homem de ferro, supervisionando todas as cadeiras. Parecia pronto para atacar, como um tubarão. Louis ponderou que a roupa de Lanterna Verde seria mais apropriada.

Fato é que, depois de todos os preparativos e toda a ansiedade para chegar até aquele momento, Auguste já se sentia exausto e, mesmo antes do filme começar, apagou como se fosse a própria Bela Adormecida espetando o dedo no fuso de uma roca.

Estranhamente, quando acordou, já estava em casa. Despertou sobressaltado ao perceber que, do outro lado da janela indiscreta, havia um vizinho, tomando suco de laranja mecânica, que o encarava fixamente. Foi mesmo um impacto profundo ser invadido por aquele olhar de pura psicose. Sentiu um arrepio, tomado pela súbita certeza de que era somente um personagem, imerso em uma história sem fim.