Churrasquim no Castelar

Morro do Castelar

Gente, eu vou contar pra vocês, o que me contaram na porta dum cabaré. É sempre lá que a gente conta e ouve as façanhas que não pode esquecer. Isso não tem nos livros de memória ilustre. Todo mundo da comunidade sabe. O ocorrido inesperado foi o estopim para mudanças na comunidade do Castelar, favela controlada à base de violência e silêncio. A notícia ganhou o mundo e as redes sociais.  Mas também tem o famoso churrasquinho de gato, que é um ritual de cabra macho pra chuchu. Chuchuzinho mesmo é a filha da dona Rita, a mãe de santo que conseguiu esconder a filha do olho gordo do chefe do tráfico. Mal as meninas colocavam corpo, e os cabra chegavam cheio de fome. E se desse bobeira, as meninas viravam o churrasquinho do fim de semana. Mas dona Maria, que era uma sacerdotisa dedicada, deixou o chefe do tráfico cego para sua filha. Ele olhava a menina, mas via um homem, não enxergava a belezura da menina. Era sempre no jogo de búzios que ela antecipava as maldades e o inesperado. Ela alerta às mães: Cuidem das crianças-curió, para que não haja dias sombrios.  O improvável vai acontecer, um churrasquinho de cisne negro. Ninguém entendeu nada. Quem quer comer carne de cisne? Nem sei que bicho é esse. A previsão correu a boca solta, viralizou nos becos. O chefe do tráfico que comemora tudo com fartura  queria detalhes sobre o tal churrasco de cisne negro. Ele pensou que cisne fosse passarinho. – Ninguém mexe com meus passarinho, ele gritou. Dona Maria consegui enrolar o todo-poderoso. Na favela, comer churrasquinho era tradição, mas com a carne cara, só tinha um jeito, caçar preá, gambá. O povo pensava em comer até carne da vaca louca. Mas louca ficou Celeude quando soube do churrascal que fizeram com o cavalo que era do seu marido. A comilança foi comemorada com muitas rajadas. Mas, logo o proprietário do morro mandou avisar, se continuasse a patifaria, ele mandaria fazer churrasquim de gatuno, no micro-ondas. Era só não mexer com os passarim dele. Ele criava rolinhas, pardais e curiós pra comer grelhados em dia de jogo do Brasil. Até que um dia de muita tristeza chegou. Tempos sombrios. Os meninos-curió foram abatidos a mando do dono do morro. A alegria dos meninos-curió é soltar os passarinhos presos nas gaiolas. A diversão é sentir o mesmo que os pardais, as rolinhas, os bem-te-vi, a liberdade, o voo improvável da infância pobre. A felicidade dos meninos-curió é passarinhar a esperança. A infância por aqui é bem diferente das crianças em Ipanema. Os meninos de lá não sabem correr. Também nem precisam correr atrás de um churrasquinho de gato, ou correr atrás do prejuízo, são herdeiros de longa data; não precisam correr atrás do leite derramado, não precisam correr da polícia; nem da maldade do tráfico, da milícia e nem da malícia dos deputados tortos. Ninguém ouve o que as crianças falam. Eu já nem sei o que é mais importante nessa história contada há gerações. No Castelar, a lei é torta, mas certeira. O último churrasquinho foi, de fato, de Cisne negro, assado na grelha. Esse evento imprevisível mudou a vida das crianças-curió, na favela do Castelar. Que ironia, o chefe do tráfico, que mandou incinerar os meninos-curió, virou carne grelhada de cisne negro, o dono do morro. Foi tostado no micro-ondas. A ordem veio direto de Bangu 8, onde só se come churrasquinho de kobe, a carne mais cara do mercado.