tricô

Catarina

Sempre que tenho oportunidade, gosto de falar que uma mãe é a representante de Deus quando engravida. Isso mesmo, Deus nomeia uma mãe como a sua representante quando acontece o milagre de gerar uma nova vida. Acredito que cada uma das pessoas presentes no encontro desta noite tem alguma história bacana sobre as suas mães. A minha, não está mais aqui. Também acredito que em poucos anos estaremos juntinhas de novo. Afinal, faço noventa anos mês que vem. Já sonhei com isso algumas vezes. Ontem mesmo, sonhei que ela estava sentadinha na sua cadeira de balanço, abanando seu leque florido e ouvindo novela no radinho de pilha.

Mesmo com a idade que tenho, minha mãe continua sendo importante pra mim. As vezes a gente esquece de muitas coisas, fatos e até de pessoas importantes que passaram na nossa vida. Mas de uma mãe, uma mãe de verdade, nunca conseguiríamos nos esquecer. 

Quando tinha quatorze anos, minha mãe me forçou a aprender fazer tricô. Dizia que toda moça que se preza precisa aprender a fazer bordados para enfeitar a casa com toalhas, fazer xailes pra chegada do frio, presentear as pessoas nas ocasiões comemorativas e até mesmo fazer por encomenda, para defender uma graninha extra e ajudar nas contas de casa… Como eu disse, minha mãe me forçou e eu tive que aprender a fazer tricô. Fiz tanto tricô que até cochilando, os dedinhos continuavam mexendo! Paguei muita escola dos filhos vendendo meus bordados! E hoje, tanto tempo depois, é que tenho a real consciência da importância disso neste momento delicado da minha vida. Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas. Eu não concordo, de jeito nenhum! Deus escreve certo por linhas certas mesmo, nós é quem não entendemos o seu estilo literário!  

Ano passado perdi totalmente a visão. Coisa de velho, o corpo não aguenta ileso tanto janeiro nas costas! Sentada no sofá fico quietinha no meu mundo, pego as agulhas, a linha e fico tricoteando. Quando lembro que não posso mais enxergar o brilho do sol quando acordo, é no meu tricô que fico lembrando quantos sóis eu vi e muitas vezes não percebi. Quando sei que não vou ver meus bisnetos crescerem, fico no tricô imaginando como são os seus rostinhos. Não posso mais enxergar a lua cheia, as flores que crescem no meu jardim, ou o retrato da família inteira nos porta-retratos espalhados pela casa. Mas é no tricô, ponto a ponto, que vou lembrando de tudo o que o meu coração consegue sentir. Não posso mais enxergar, mas posso imaginar e posso sentir. 

Mais alguns dias termino o meu casaco. Quero ficar chique na festa do meu aniversário. Vem gente que não acaba mais. Dizem que tô bonita no convite e que o T de Catarina, tem o desenho de duas agulhas de tricô. Não queria festa não, sabe, mas meus filhos cismaram. Bem, a conversa tá boa, mas eu preciso continuar tricoteando aqui. Pelo que imagino, ainda faltam uns três mil pontos pra terminar. De vez em quando, fico contando ponto por ponto, coisa de velho, não liguem não. Ah, antes de terminar, quero deixar aqui registrado, que o tricô não me permite entristecer. Graças à Deus por isso. E a minha mãe também. E uma última coisa: vocês que gostam de escrever sobre a vida dos outros, não se esqueçam que uma mãe é a representante de Deus quando gera uma vida. Se vocês não se esquecerem, já terá valido a pena ter contado essa história. Desculpe se estou sendo repetitiva. Coisa de velho.