Raimundo Fagner

Cândido Lopes

Julho de 1976, Osvaldo sai de casa para comprar um ki-suco para o jantar. Ao passar em frente à casa de dona Celina, ouve uma voz na televisão que lhe chama atenção. Faz frio, são oito e meia da noite, mas Osvaldo está ali parado, de ouvido atento, tentando adivinhar de quem seria aquela voz que lhe enchia de satisfação. Uma sonoridade que, para ele, era a melhor voz que ouvira até aquele exato momento. Apesar de muito novo (tinha seus quatorze) era o terceiro ano em que estudava música em sua escola. Muito curioso, Osvaldo queria muito saber quem era aquele jovem que lhe permitia sentir um grande prazer sonoro. Osvaldo bate palmas ao portão e pergunta:
– Dona Celina! Dona Celina! Em que canal está ligada a sua televisão?
Dona Celina responde:
– Está na Globo, canal 4.
Osvaldo pergunta:
– Quem está cantando?
Dona Celina dá de ombros e fala:
– Sei lá, bota lá no Fantástico e vê.

Osvaldo sai em disparado, sem lembrar que teria que comprar o ki-suco para o jantar. Ao chegar em casa, liga a TV. Para a sua decepção, aquele som que muito lhe satisfazia já havia acabado. Decepcionado, Osvaldo fica sem entender como uma música, um cantor, poderia mexer tanto com a sua curta vida. Buscando informações com uns e com outros, Osvaldo descobriu que o cantor daquele domingo de julho era “Cândido Lopes”.
– Como assim, nunca ouvi falar. Eu conheço o Jorge Ben, Tim Maia, Roberto Carlos… mas Cândido Lopes, nunca!

O tempo passou. Um ano, talvez mais. Passando pelo centro de Nova Iguaçu, estava lá uma faixa: “19 de novembro de 1977, Iguaçu Esporte Clube, Show Cândido Lopes, sábado às vinte horas”. Pra desespero de Osvaldo, menor só entra acompanhado. Foi aí que entra o irmão mais velho de Osvaldo, Roberto, que se prontificou a ajudar o irmão, desde que não tivesse que mexer em seu bolso. Aos quinze anos, Osvaldo já ganhava seu dinheiro como funcionário de um aviário. Trabalhava somente sábados e domingos. Junto com seu salário, levava para casa uma banda de frango e meia dúzia de ovos, que com a proximidade do show, foram transformados em dinheiro, para poder comprar os ingressos dele e do irmão.

Dia do show, felicidade total. Ao chegar ao clube, Osvaldo não era o único a se admirar com a qualidade de Cândido. Clube cheio, alegria total. Era tudo o que imaginava que fosse. Uma noite para não esquecer. Na euforia daquela noite, Osvaldo fez de tudo para saber a agenda do cantor. De pronto, consegue. Próximo show: Estádio Ítalo Del Cima, em Campo Grande. Fevereiro de 78, lá estava Osvaldo, radiante e feliz da vida. E assim foram vários shows. Tênis Clube de Mesquita, Olaria Futebol Club. E os vinis começam a ser lançados, e Osvaldo, que já trabalha no Centro e ganha salário, compra uma vitrola e o vinil de Cândido Lopes, trabalhando no foco da cultura do Rio de Janeiro.

Apesar do regime militar fazer parte do nosso cotidiano, a cultura é tão presente quanto antes. Final de 79, começo de 80, o Rio ferve de shows. Trabalhando na Álvaro Alvim, Cinelândia, Osvaldo, ao chegar, olha o anúncio do teatro Rival: sábado, treze de janeiro, Cândido Lopes às vinte horas. Osvaldo, já com 18 anos, o irmão não será mais preciso que o acompanhe. Dia do show, Osvaldo compra seu ingresso, senta na primeira fileira. Para sua surpresa, o cantor que encanta Osvaldo olha em sua direção e fala:
– Você de novo? Gosta mesmo do meu show, hein?

Osvaldo não acreditava que seria reconhecido ou lembrado pelo cantor. Para sua surpresa, Cândido bota a mão no bolso e dá um pedaço de papel para Osvaldo, que não tem coragem de ler, tal era seu nervoso. O show transcorreu perfeitamente até o seu término, quando Osvaldo tirou o papel do bolso e nada mais era do que um ingresso para o show no teatro João Caetano, na Praça Tiradentes. Osvaldo não acreditava, mas já fazia parte da agenda dos shows de Cândido.

Os anos foram se passando e o gosto pelas músicas de Cândido Lopes aumentavam cada vez mais. Já no novo emprego, em Copacabana, um fato muito curioso aconteceu. Ao descer do escritório onde trabalhava, Osvaldo foi comprar um suco no sinal da Siqueira Campos com Nossa Senhora de Copacabana. Osvaldo olha para o lado, sinal fechado e, pasmem, Cândido Lopes, com seu carro preto, buzina para Osvaldo, que vai até a janela do carro, sem falar uma palavra. É quando Cândido abaixa o vidro do carro e fala:
– Olá, como vai?
– Eu vou indo. E você, tudo bem?

Nesse momento, o sinal abre e Cândido parte deixando Osvaldo sem resposta. Um momento de frustração tomou conta de Osvaldo, que logo se transformou em satisfação por ser reconhecido por Cândido em pleno centro da Zona Sul. E os anos foram passando, Cândido cada vez mais famoso, e os encontros ficaram escassos, devido às viagens de Cândido que nesse momento já era conhecido em todo o Brasil.

Ao passar dos anos, Osvaldo liga o rádio e escuta uma música que diz assim: “Olá, como vai?. Eu vou indo, e você, tudo bem?” Por um momento, Osvaldo achou que aquela música foi feita daquele momento. Enganado, era uma canção de Paulinho da Viola, que foi cantada e imortalizada por Cândido Lopes (chama-se: Sinal Fechado). A idolatria pelo cantor não se fez diminuir pela decepção de Osvaldo, que já conta com 42 shows assistidos. Em 1977 Osvaldo fez uma promessa que, se um dia se casasse e tivesse um filho com sua esposa, seu filho teria o nome do cantor. E ao se casar, em 1984, seu filho foi registrado com o nome do cantor. No dia dez de maio do ano corrente, Osvaldo
assistiu a mais um show desse ícone, que para ele é o melhor. O show foi no Vivo Rio, com lotação total. Aos 73 anos ele canta em 2023 como se fosse em 1976. Obrigado, muito obrigado, Raimundo Fagner Cândido Lopes.