Enchente no ônibus

Aventura nada doce

Ontem a minha noite foi da alegria ao tormento. Ao sair do trabalho para ir ao aniversário de um amigo em Nova Iguaçu, enfrentei uma chuva que parecia um dilúvio bíblico. A minha sorte é que segui para sua casa de Japeri, porque de ônibus estava inviável. Ruas alagadas e o rio Botas transbordando era um espetáculo apocalíptico triste de se ver. Mas a viagem de trem me livrou de todos esses transtornos e cheguei são e salvo ao meu destino, mesmo molhado da cabeça aos pés. A esposa do meu amigo prontamente me ofereceu uma toalha para eu secar um pouco a roupa encharcada, mas foi só depois de beber uma cachacinha mineira com limão, trazida por meu amigo, que a minha roupa evaporou toda água e eu fiquei mais à vontade para curtir a festa que estava esfuziante, com gente dançando e bebericando muito quente e cerveja, além de um churrasco vasto de linguiça e carnes.

A chuva em nada atrapalhava a festa porque nos fundos, a casa tinha uma grande varanda que abrigava todos os convidados confortavelmente e ninguém tinha interesse algum de sair cedo daquela festança e enfrentar o temporal que castigava a cidade. Mas como diz o dito popular tudo que é bom dura pouco, o fim da festa se aproximava e a dolorosa hora de ir embora chegava enfim. A nossa sorte é que a chuva tinha estiado um pouco e ruas próximas a casa de meu amigo não estavam tão alagadas.

Grande parte dos convidados morava bem próximo e os outros seguiram de carro para suas residências, restando para mim e mais dois convidados o ônibus e o trem. Como a chuva tinha dado uma trégua, não pensei duas vezes, embarquei no primeiro ônibus que apareceu e me deixava perto de casa, descartei o velho Japeri. Era para mim a opção mais confortável. Ledo engano. Foi aí que começou o meu tormento.

Não tinha mais que vinte passageiros no ônibus entre homens e mulheres que pareciam estar voltando para casa depois de mais um dia de trabalho. Deduzi isso através de uma rápida contagem visual e ao observar o semblante cansado das pessoas. Apesar que eu também me sentia muito cansado, mas não de trabalhar, e sim de muita bebida consumida na festa de meu amigo. A viagem seguia tranquila até o fórum de Nova Iguaçu, mas quanto o ônibus pegou a reta da Bernardino de Melo, foi que nós passageiros e o motorista percebemos o caos que nos esperava. A rua totalmente alagada pelo transbordamento do Rio Botas, casas invadidas pelas águas e muito lixo flutuando. Além disso a chuva voltou a cair mais forte ainda. O motorista heroicamente tentava inutilmente vencer a força da água que já cobria mais da metade das rodas do ônibus. Vencido parou o ônibus, olhou para trás e disse sem rodeios:

– Não dá mais pra seguir – E desligou o motor.

O desespero era visível no rosto de todos. O marido ligou para a mulher para dizer que estava preso no ônibus, mas ela não acreditou dizendo que ele estava na casa de alguma sirigaita.

E a água entrando pelas portas do ônibus.

Uma passageira louca para fazer xixi, foi para o fundo do ônibus e satisfez sua necessidade.

E a água invadindo o assoalho do ônibus.

Um sacana ao ver um caramujo surfando numa placa de isopor deu um tchauzinho para ele.

E a água na altura dos bancos mais baixos.

Uma hora da manhã, ouço o trem se aproximando e seguindo para minha estação, fico desolado e arrependido pela opção tomada.

A água na altura dos bancos mais altos.

Um passageiro entra em desespero e grita bem alto dizendo para todos que não era feito de

açúcar e sai do ônibus com água até a cintura. Todos comentam a sua coragem de se aventurar aquela hora, mas preferem não se arriscar e esperar o dia clarear.

E o passageiro sacana ao perceber que o corajoso desapareceu no horizonte faz um comentário jocoso:

– Acho que nessa água barrenta ele virou açúcar mascavo e dissolveu – E deu uma sonora gargalhada.

Recebeu olhar de censura de alguns e risinho de outros.

 

 

Quando o dia clareou não chovia mais. A única opção dos passageiros foi descer do ônibus inundado e seguir com água abaixo da cintura e seguir finalmente para casa. Mas antes disso parei num boteco, bebi um rabo de galo para imunizar meu corpo por dentro e depois segui para casa para tomar banho caprichado, dormir e esquecer daquela aventura.