fotógrafo praia

(A)traído pelos seus encantos

Eles estavam lá, reunidos, contemplando o por do sol. Desavisados e desatentos, não enxergavam quase nada a não ser aquele prometido poente alaranjado… Se, acaso não fossem tão ensimesmados, talvez a vissem, pois, eu a vi, plena e despudorada criatura de minhas melhores reminiscências!  

Registrei-a milhares de vezes em meu celular, armazenando as imagens em meus arquivos pra, quem sabe num dia desses… (!?)  Acho que agora vai dar pé… vamos que vamos… finalmente parece um bom flagrante. Espero capturar a pose ideal… um ideal meu, imaginário – em qualquer momento do dia ela fará a aparição daquela forma pouco peculiar, desavisada, despretensiosa… – É esse o termo certo! Então, foi assim que passei a retratá-la em vários ângulos e dispositivos, tendendo a não perdê-la de vista – que é no sentido literal de não se perder alguém do seu campo de visão e no mesmo tempo em que se registra nas memórias interpessoais e digitais, e, porque não? Devo mesmo gravá-la em fotos, filmes, e o que mais preciso for; assim meio que eternizando aqueles raros e mágicos momentos de pura liberdade, e certa indolência… quase inocência. Ela até que demonstra certo desapego, desinteressada. Age como se nem importasse estar lá ou não, com as suas performances triviais, malemolentes, contorcionistas, suas caretas e garras. Na internet já viralizou e desviralizou várias vezes… e os memes! Na sua última, fora pra uma campanha de proteção aos animais em via de extinção. Quanta ironia, né não? Nada a ver com ela, sempre cheia de vida! Volta e meia ela ressurge em clips musicais ou em campanhas naturebas. É bonita, a danada! Está entrando numa fase mais madura, do tipo que os mais antigos diriam ser “a hora da loba-marinha!” – fizeram-lhe figurar numa espécie démodé balzaquiana, ainda que de um Balzac pós-moderno, metamorfoseada numa jovem senhora de uns quarenta… cinquenta anos! Então, enfiaram-lhe uma peruca de cabeleira ruiva (bem, ao menos pela tintura sobreposta em semitons lilases reluzindo brilhosos fios encaracolados lançados ao vento numa praia deserta qualquer). Assim, expôs-se ao léu, mar e céu, num horizonte alaranjado ao fundo, o seu relevo angular, do torso ao dorso, como montes, uma ilha; revelando-a, desde os primeiros clarões da manhã até o fim da tarde, aos poucos, assim meio desnudada e despojada a se espreguiçar na areia. Displicentemente se expôs e em toda a sua extensão corpórea, diante da minha câmera atenta aos seus detalhes, desde os pés à cabeça. É, sem dúvida, aquela a sua posição preferida durante aquele seu estranho ritual em se exibir… 

Tubo bem se tratar de um universo inventado. Algo como mais um ensaio pra comercial de cerveja. Mas, é aquele o seu jeito de ser que mais importa pra mim… é o que lhe perfaz! É não querer mais aparar seus limites, seus conceitos e principalmente seus preconceitos. Sentir-se esvair dos seus tempos inúteis, seus medos, suas bobagens mundanas e não querer se desapegar de velhas memórias, de histórias bem anteriores a sua própria existência humana… ou… quase humana!

Diante da lente, dos meus cliques, dos meus focos… Vai-se! A praia repleta em pé a aplaudir o crepúsculo laranja, num lusco-fusco. E ninguém mais a vê, somente eu! Ela parece sequer existir pro mundo; e, se o público a desdenha, preferindo aplaudir um clichê, ela também parece desdenhar deles. Parte sem qualquer pudor, assim como se esvaindo pela orla, deslizante à beira da maré, já tocando as ondas. Segue-lhe um sonoro clamor, em réquiem, fluindo mar adentro pelas ondas e marolas já se desfazendo da sua porção humana, transmutando os pés numa grande cauda de baleia. O horizonte se acinzenta e o povo se dispersa… Prossigo filmando lá ao longe a silhueta de um ser marinho em piruetas aquáticas… Foi-se embora a minha sereia.