As lágrimas do cientista

Santa chora sangue

Abri o jornal do dia, e estava escrito essa estranha reportagem: ” Escultura de santa no interior do sertão do Piauí chora lágrimas de sangue”. Como cientista, que deseja expurgar as crendices e todo misticismo religioso, resolvi me deslocar para a tal cidadezinha, e testemunhar ao vivo, o fenômeno, para provar que uma estátua não podia chorar, muito menos com lágrimas de sangue. Chego à cidade, e me dirijo à pequena capela, onde o milagre havia ocorrido. Uma pequena multidão de romeiros emocionados, e em prece se aglomeravam em frente do humilde prédio religioso. Pediam em prece redenção de seus pecados, uma boa colheita, etc… Aguardo a multidão se dissipar, e me aproximo da imagem. Não me parecia haver qualquer diferença dessa imagem para outras que percebo à venda em lojas de artigos religiosos. Mais ou menos 50 centímetros de altura, com a santa em gesto de prece com as mãos unidas em oração, e com a cabeça curvada em direção aos céus, e um olhar piedoso e triste.um manto azul celeste, a cobre da cabeça aos pés. Tudo igual, exceto pelas manchas vermelho-ocre, que escorriam de suas pálpebras inferiores, e atingiam suas bochechas. Seria aquilo de fato sangue? Seria um milagre? Em nome da ciência, arquiteto um plano. À noite, sorrateiro, penetro nas penumbras da capela, e roubo a imagem, e fujo da cidadezinha, levando-a para meu laboratório. Inicialmente, coleto resíduos das manchas, e observo no microscópio, e que para meu espanto, haviam células vermelhas de sangue humano.

Resolvo levar a imagem para exames de tomografia, e nada me acrescenta em relação ao interior da imagem. No laboratório estéril, sobre a mesa, cercada de aparelhos e materiais de análise química e computadores, a imagem continua austera, e a porejar no canto dos olhos, gotas de sangue. Inquieto e angustiado em meu desejo de desmistificar esse milagre, que considerava falso, insisti em minhas investigações, e num ato extremo, resolvi despedaçar a imagem, em busca de uma explicação racional para aquele fenômeno que me atormentava. No interior em pedaços da imagem, não haviam órgãos, mas somente o gesso inerte. Seguro o pó do gesso e o aperto firme, como se tivesse percebido minha frustração científica abalada.  Sobre a mesa, entre os restos da imagem, onde pouco se podia distinguir partes de um corpo da escultura, notei, pequenos fragmentos de olhos piedosos, que insistiam em gotejar lágrimas de sangue, cercados de monitores digitais que piscavam números inexplicáveis e nervosos. Esgotado, pela falta de explicações racionais, dormi profundo, enquanto estranhos pesadelos me atormentaram naquela noite. Senti-me em um barco, em meio de uma tempestade, num mar revolto formado de sangue. Prestes a me afogar, acordo sobressaltado e em pânico. Vou ao espelho, e percebo atônito, que meus olhos se tornaram bolas de sangue, e no canto de cada um deles, jorravam lágrimas feitas de sangue.