A visitante inesperada

Estava de volta à casa dos avós, adolescente, vivendo coisas novas, descobrindo tudo, conhecendo novos amigos e amigas, encontrando o amor, o primeiro amor. Passeios à tardinha de bicicleta às margens da represa ou andar de mãos dadas à noite na pracinha do pequeno bairro.

Iniciara a preparação para os vestibulares, que logo se aproximavam. Tencionava fazer arquitetura. Sempre gostou de planejar e organizar as coisas, solucionar problemas, criar novas formas e formatos. Na casa dos avós, tinha a tranquilidade na medida para estudar, longe dos irmãos menores e super agitados.

Em outro momento, já estava na faculdade, estudando com afinco para algum exame ou mesmo para fixar uma matéria ou saindo com os amigos para as famosas choppadas universitárias. Era bom curtir a vida, a juventude. Nem tudo nesta vida era estudo árduo.

Encontrou-se de terno, todo alinhado e perfilado em um altar, devia ser um casamento, o seu. Ao entrar na igreja, acompanhada do pai, a noiva estava linda e radiante, e ele, orgulhoso por ela. O órgão começou a tocar a marcha.

Não sabia por que estava revivendo todos aqueles momentos, aqueles agradáveis momentos. Sabia apenas que as cenas passadas eram como se estivessem em um portal atemporal ou… ou… um sonho. Um sonho advindo de um sono profundo e reparador. Mas como pode? Isto é impossível, pois sentira o toque nos lábios do primeiro beijo, o suor escorrer pela face na hora de prestar os exames para o vestibular, as emoções e sentimentos…  tudo tão real e palpável que lhe provocara as mesmas emoções que sentira no momento em que se realizaram. E ele não desejava acordar, queria ficar ali, alheio, revivendo os melhores momentos de sua vida como em um Flash back: O nascimento dos filhos, os primeiros passos. Tudo, tudo de bom que lhe acontecera ao longo de seus 40 anos de vida, estava revivendo novamente.

Como estivesse no fundo de uma piscina, ouviu chamarem seu nome. O som estava distante e abafado. Era um chamado urgente. Ele não queria atender, estava ensinando o filho mais velho a andar de bicicleta. Outro chamado. Sentiu uma pressão no peito, a parte de cima do tórax se levantar subitamente, ondas elétricas a percorrer-lhe o peito, viu uma senhora vestindo negro a se aproximar.  Engraçado, em suas memórias não havia esta senhora, naquele dia estavam apenas ele, o filho e a bicicleta. Mais um chamado, mais urgente ainda, ele não deu atenção, estava olhando o filho, a bicicleta. A senhora inesperada vestindo negro se aproximava rápido, prendendo sua atenção.  De onde saíra aquela figura tão elegante e bela com um vestido delicado, esvoaçante e diáfano que parecia flutuar?

A bicicleta, o filho aprendera enfim. Sorria, sorria de felicidade. Era tão bom a paternidade. A vida pareceu ficar completa quando os filhos nasceram. Sorria. Outro chamado. Sentiu outra pressão no tórax, outra descarga de eletricidade a percorrer todo o seu corpo e a senhora vestindo negro o alcançou. Ele sorria, apenas sorria feliz. O chamado cessara, a Senhora de Negro tocou-lhe a mão. Ele sorria, nada mais importava, bastava olhar nos olhos da senhora vestindo negro e tudo se acalmou em um sorriso.

 

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– Hora do óbito 20h15min. Infarto fulminante.

– Triste! não gosto de perder um paciente tão jovem assim e de uma forma muito inesperada. Ele vinha se recuperando muito bem nos últimos dias. Não entendo o que pode ter ocasionado este infarto. Fizemos tudo o que era possível para revivê-lo.

– Doutor – Chamou a enfermeira que estava junto à maca.

– Observe o semblante do paciente.

– Está sorrindo, parece que estava feliz em seus últimos momentos. Bom, Vamos comunicar a família. Relate este fato. Pode servir de consolo nesta hora difícil.