espetinho de churrasco

A guerra dos sentidos

Dentro daquele bairro chique na Zona Sul, aquele cruzamento sobressaia. Em cada um de suas esquinas haviam restaurantes com arquitetura modernosa, interior requintado, procurados por gente sofisticada e que podia pagar caro por uma refeição. Zeca, que já fazia sucesso com seu churrasquinho na Zona Norte, resolveu ousar, instalando sua pequena barraquinha num dos cantos daquele cruzamento. Sabia que teria de ficar atento com os fiscais. Ao cair da noite montou seu pequeno negócio e colocou sua carne sobre a grelha, com molhos e ingredientes que eram verdadeiros segredos. Nos restaurantes ao lado o público passava ao seu redor, com o nariz empinado, como se ele não existisse. Zeca continuou seu trabalho de cuidar com extremo zelo dos ingredientes que dominava como poucos: a carne que podia comprar, e que cuidava de seu preparo atenciosamente; a farofa com a mandioca de seu amigo de bairro que aguardava ficar no ponto perfeito para colher; um molho madeira especial que preparava com perfeição como um alquimista. A poucos metros observava as pessoas sentadas nos restaurantes, que se divertiam e tomavam seus vinhos, enquanto aguardavam seus pratos. Zeca trabalhava, mudava a carne fincada nos espetos de posição em tempos precisos, e as temperando com esmero. Aos poucos, o aroma de seu churrasco começa a se dissipar, tomando carona na brisa que vinha do mar próximo. Uns vira-latas da região começaram a fazer fila ao redor de Zeca, que lhes oferecia gentilmente uns bocados. A lua cheia, o tempo limpo, dizia que estávamos em torno das 20 horas. Percebeu que os clientes dos restaurantes receberam seus pratos e iniciaram a deglutição. Passaram alguns minutos, até que percebeu que algumas pessoas que circulavam ao redor de sua barraquinha, atraídas pelo aroma inebriante e hipnotizante, começaram a pedir seu churrasco. Mordiscavam com prazer e repetiam. De acompanhamento, uma cerveja super gelada. Foi então que uma daquelas pessoas chiques do restaurante, após sentirem o aroma de seu churrasco, se aproximaram, e timidamente, pediu para experimentar, e logo na primeira mordida veio um elogio maiúsculo. Zeca se sentiu orgulhoso, pois os elogios daquela carne que preparava: o aroma, paladar, textura, tempero, eram divinos! Alguns disseram que era certamente muito melhor comer o churrasco do Zeca do que os pratos sofisticados do restaurante. Ao seu redor foram se acumulando pessoas, que saíam do restaurante para apreciar o churrasquinho dele, e que pediam mais e mais. Expressões de satisfação pelo paladar apurado daquela carne transbordavam. O dono do restaurante, percebeu a competição e a fuga da clientela, e chamou a guarda municipal, que chegou prontamente. Começou então debates e discussões entre a clientela que gritava: “SOLTA!!… SOLTA!!… DEIXA ELE TRABALHAR!!!”, e os guardas, que queriam recolher a mercadoria, e levar o gourmet da calçada preso. Empurra-empurra, deixa disso pra lá e pra cá…um dos guardas foi mais duro e empurrou um cliente que revidou com um soco. Os guardas usaram o cacetete… os maitres e cozinheiros dos restaurantes, sentindo-se humilhados pela qualidade do churrasquinho do Zeca, tomaram as dores dos guardas, e entraram na briga… Os cachorros entraram na confusão, latindo e tentando morder quem se aproximasse de seus nacos. Nesse momento, churrasquinhos, farofas e molhos voaram pelos céus… Gente chique dos restaurantes saíram de seus assentos confortáveis para entrar na confusão, umas a favor do Zeca e outras contra. Se engalfinhavam nas calçadas tentando esganar os adversários… Zeca percebeu que o clima estava pesado e conseguiu se esgueirar, saindo de fininho enquanto a confusão aumentava. No dia seguinte o episódio estava nas mídias locais e estampada como “A GUERRA DO CHURRASCO”. No segundo dia após a “guerra”, Zeca recebeu um telefonema. Era o dono do restaurante chique. Queria contrata-lo para que ele fizesse um prato especial: “Churrasco à moda do Zeca”. O contrato foi aceito, desde que com uma condição: que seus ingredientes continuassem em segredo.