Depois de quase cinquenta anos de carreira como professor de História, lecionando em duas escolas públicas, uma de ensino fundamental e a outra o ensino médio regular, mestrado em advocacia, sócio fundador de um clube esportivo, pai de três filhas lindas, dois casamentos duradouros, isso porque a primeira esposa infelizmente sofreu um acidente grave, caso contrário, acredito eu, ainda estaria no primeiro matrimônio. Fazendo parte de um grupo seleto de pessoas que realmente participam das atividades que fazem diferença no município, cuidando de um pai com Alzheimer e se desdobrando para conseguir acompanhar uma série em uma das milhares de opções de STREAMINGS existentes, depois de viajar VINTE E QUATRO horas de avião e desembarcar em TÓQUIO, enfrentar mais duas horas e cinquenta e cinco minutos até a ilha de Okinawa, descobri que tinha vivido quase cinco décadas enganado.
Quando mais novos depositamos nossa fé em coisas sem sentido. Jovens adultos acreditam saber de tudo, falam sobre a vida ideal, há quem dê valor para o primeiro milhão, certamente, depois de traçar os caminhos mais desafiadores da vida, descobrem que o importante mesmo é existir.
E tal existência coabita entre a revolta e obediência. Como um jovem Alexandre já cantarolou por aí “Às vezes faço o que quero, às vezes faço o que tenho que fazer” (obrigado Chorão) resolvi dar ouvidos a minha voz interna e me permitir experienciar a sensação de irresponsabilidade novamente.
Eis que certa manhã de domingo estava eu com saudades de minha adorável esposa e contando os segundos para dar a notícia a ela que estaria partindo de volta ao Brasil, estava carregando a saudade de uma década.
Resolvi gastar uma fração de tempo em total libertinagem juvenil.
Para dar mais emoção tinha que ser em Okinawa, eu sei que poderia ser em Toronto, Fredericton, Kingston ou qualquer outra cidade do Canadá. Quem sabe se eu fosse para Havana, Baracoa, Sagua La Grande ou qualquer outro lugar de Cuba, não enfrentaria a vergonha que passei em Okinawa, mas eu precisava viver essa experiência antes de falecer.
Morgana, minha atual esposa, ficou espantada ao mesmo tempo que caiu na gargalhada quando ficou sabendo da imbecilidade e imaturidade cometida por mim.
Estava indo ao aeroporto para embarcar de volta ao Brasil e retomar minhas atividades corriqueiras, mas precisava passar por essa adrenalina. Resolvi desafiar todas as regras de conduta e me esqueci da condição de ser adulto, bem sucedido e comportado, um exemplo para os meus alunos, creio eu, que nenhum deles iria sequer saber sobre o ocorrido.
Acontece que as notícias correm cada vez mais rápido nesse mundo globalizado. No caminho para o aeroporto de Okinawa cruzei com um fazendeiro local e ele me ofereceu quinze gramas de cannabis. Curiosamente curti aquele momento, justamente, por desejar um minuto de falta de responsabilidade. Ocorreu que não tive sorte momentânea e a polícia local me deteve minutos depois de dar o primeiro trago no cigarro que estava entrelaçado em meus dedos. Não sei se foi a viagem, se foi o nervosismo do momento ou se a adrenalina já tomava conta das minhas correntes sanguíneas, o que me ficou fixo na memória foi a expressão dos senhores em minha frente esbravejando palavras em um japonês falado mais rápido que o Flash apostando corrida com o Kal-El.
Para piorar ainda mais a situação eu só conseguia me lembrar de frases simples como, por exemplo, sutekina tsuitachi o (tenha um ótimo dia), Chushoku no hiyõ wa ikuradesu ka (quanto custa o almoço) ou anata ni aete yokatta (muito prazer em te conhecer).
Faltava menos de uma hora para meu embarque e eu só conseguia gargalhar das expressões dos agentes de segurança que estavam em minha frente, pareciam tão hilários com aqueles olhos quase fechados, eu só conseguia sorrir sem parar entre um misto de nervosismo por estar naquela situação e a preocupação em meu subconsciente por perceber que poderia perder o voo de volta para Tóquio e então embarcar para o Brasil novamente.
O que me salvou daquela situação embaraçosa foi algo inusitado, meu telefone tocou e a música era AQUARELA DO BRASIL com a inesquecível GAL COSTA. Deu para entender que um dos policiais reconheceu a música e repetiu Rio de Janeiro -Brazil, falaram mais alguma coisa, sorriram, bateram em um dos meus ombros e um deles disse em um português carregado de sotaque oriental: PODE IR NÉ, NO BRAZIL, RIO É TUDO NORMARÔ, MAS SÓ DESSA VEZÊ PROQUE AQUI NO TEM RÉU PRIMARÔ!
De volta em casa, contando tudo para minha esposa e minha mãe, óbvio que as minhas filhas nunca irão saber disso, as gargalhadas pareciam não ter fim e minha tia, irmã do meu pai, definiu toda essa situação em comparação com a minha adolescência rebelde como CASO PERDIDO.
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