Herança

Desde pequeno,  Carlinhos era fascinado por borboletas. Mal aprendera a andar, já tentava de todas as formas alcançar as borboletas que bailavam  no belo jardim que sua mãe havia feito no sítio da família.

Quando fez cinco anos, Carlinhos ganhou de presente do pai uma rede pega borboleta, sob os protestos da mãe. Ficou eufórico com a possibilidade de capturá-las. A primeira, amarelinha, parecia um troféu. Mas ele queria mais. Aquilo não bastava para ele. Puxou as asas da borboleta como se fossem pétalas das rosas do jardim da mãe. Que prazer! Olhou para o pai com receio, mas o olhar cúmplice do genitor o tranquilizou.

Com o tempo, passou a colecionar borboletas. As que ele achava mais belas. Adorava quando ia ao sítio. Em seu caminho,  um rastro de destruição: Formigas pisadas, esperanças, vaga-lumes e cigarras faziam  parte da lista. Destruía ninhos de passarinho sem um pingo de arrependimento.

Com 14 anos, usou um dos carros do pai, que estava no sítio. Deliberadamente, atropelou Bob, o velho cachorro, que era de um dos amigos de seu pai. A culpa acabou recaindo no filho do caseiro, depois de uma ameaça velada de Carlinhos  e seu pai.

Carlinhos era calado e tinha um sorriso enigmático. As meninas o achavam estranho e ele se mostrava distante. Vivia para estudar. Resolveu cursar Administração. O pai, sócio de uma empresa do agronegócio, ficou  feliz quando passou para a faculdade. Aos 17 anos, conheceu Lorena e o coração dele balançou. Eram completamente opostos. Ele gostava de cinema e  fugia da agitação. Ela adorava carnaval. Combinaram de se encontrar para ir ao Baile de Carnaval. Carlinhos fantasiado de Morte e ela de borboleta. Aquela imagem o deixou transtornado, como um vulcão prestes a explodir e a lava queimava sua pele, sua alma. Precisava dela. Depois do baile, levou Lorena para a casa dela, onde seus pais não haviam chegado. Carlinhos a beijava com sofreguidão, mal deixando que ela respirasse. De repente, resolveu rasgar a fantasia da jovem que, assustada, tentou se desvencilhar dos braços fortes do rapaz. Um tapa avermelhou a face da menina. Tentando fugir,  bateu com a cabeça na quina da mesinha, abrindo um pequeno corte  e desmaiou. Carlinhos não a socorreu e fugiu. O caso foi abafado pelo pai de Carlinhos e a queixa não foi dada. Lorena foi transferida para outra universidade e o caso foi encerrado.

Formado, passou a trabalhar na empresa do pai. Agora, os animais de rua eram suas vítimas. Cuidadosamente,  colocava salsicha com chumbinho nos lugares certos. -Chega de animais pulguentos pelas ruas! Estou fazendo um favor à  sociedade- pensava.

Carlos Henrique, se tornou um homem bem sucedido. Tinha dinheiro, poder e contatos na política. Havia se casado e ampliou os negócios do pai. Mas não se sentia realizado. Faltava algo que lhe desse prazer. Após alguns contatos, foi convidado para ser Ministro do Meio Ambiente. Não teve dúvidas. Aceitou.

No sítio da família, o pequeno Júnior, de dois anos, corria atrás das borboletas. Na mão, uma rede pega borboleta, presente do pai. Seus olhares  se encontraram e  o pai se reconheceu. Agora sim, Carlos Henrique estava realizado. Era um homem feliz.