Eu sonhava acordada durante a aula de religião – católica, é claro – em que um jovem seminarista fazia uso de todas as palavras bonitas e difíceis que conhecia para enfeitar sua oratória já gasta. Mesmo assim, quando o assunto eram os sete pecados capitais, eu ficava fascinada. Eu adorava como coisas tão humanas e corriqueiras poderiam também ser tão danosas e funestas. Enquanto o jovem seminarista falava ininterrupto sobre a gula e seus efeitos numa sociedade tão egoísta, vinha-me imagens dos poucos e seletos desfrutando dos grandes banquetes, violentando seus pratos com o tato, sem sequer sentir sabor pois, o paladar adormecido, estimulava-os a apenas engolir e a querer mais. Poderia parecer uma cena de filme viking, mas a verdade é que a sociedade moderna estava cheia desse tipo de gente que se senta à mesa esperando ser servido e se lambuza inteiro com o que lhe foi produzido. Enquanto imagens obscenas de velhos lambendo seus dedos surgiam na minha mente bagunçada, sentia-me cada vez mais enojada. O deleite desses poucos e seletos era o suado trabalho de muitos, e quanto mais perto chegava da cena, mais assustada ficava. A comida já não era o único prato desfrutado. Eu via pernas, eu via peitos, eu via mulheres inteiras sendo engolidas. Os gritos abafados pelas gargalhadas monstruosas me paralisaram. “Elas pediram, elas quiseram, nós desejamos, nós conseguimos”. Eu estava presa numa fila sem fim, seguíamos em frente, em direção aos nossos algozes. Era o meu fim. “Como fui parar ali?” pensei retomando a lucidez.
A cabeça anuviada deu um giro e volto à sala de aula. O seminarista está falando da Luxúria e percebo por onde andei… Ele fala da vaidade e sou obrigada a ouvir de um colega que isso é coisa de mulherzinha. Ele fala da ira e o outro diz que a TPM foi quem a inventou, levando a turma a dar risada e algumas poucas meninas ficarem coradas. Ele fala da inveja e é possível ouvir que as mulheres se julgam o tempo todo. Ele fala da preguiça e a mulher sempre ficou muito mais em casa enquanto os homens saíam para trabalhar e prover o lar. Ele fala da avareza e nisso todos os garotos concordam que é um pecado masculino devido à natureza perdulária das mulheres, afinal, o que elas vêem, querem comprar e só sabem gastar.
Parei por um minuto tentando digerir a responsabilidade por todos os sete pecados capitais imputados à mulher durante uma aula de quarenta e cinco minutos. Não era bem uma novidade, não é mesmo? Não tivesse a Eva sucumbido às tentações e também tentado a Adão, o puro, o pecado não teria se originado e os poucos e seletos não sentariam juntos para desfrutar de refeições inteiras enquanto se serviam de vinho, mulheres, empregados e dividendos.
Afinal, o que arde na boca e no prazer desses velhos coitados é fruto do pecado de nascer mulher no tempo errado ou em qualquer tempo.
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