A forte matriarca Maria de Jesus, guerreira, parteira, rezadeira… trabalhou duro tecendo toalhas, colchas, rendas de crochê… responsável pela Aldeia Poesia, começou muito jovem a se reunir com as mulheres para conversar sobre a lida diária, trocar receitas de comidas e remédios se utilizando das ervas da redondeza, jamais deixou uma outra desamparada ou sozinha, com seu modo amigo e protetor as ensinou sobre sororidade apenas com exemplos, fossem nos encontros para lavarem roupas no rio, nas prosas ao teceram suas peças ou no dia a dia, enquanto seus homens caçavam mata a dentro por dias a fio.
Sentada na mata, relembra todo o seu trajeto de vida agradecida a Deus por jamais ter se deixado levar pelo cansaço da lida diária, simplesmente fazendo o que deveria ter sido feito, sem tempo para se lamentar, sentir falta de escolhas e oportunidades ou até mesmo saudades.
… Bela com cabelos negros na cintura, faceira de sorriso largo e olhar profundo se reunia semanalmente com as outras mulheres de seu vilarejo para prosear, cantar e ensinar o tecer de rendas, aprendida com sua avó querida, mulher forte protetora de pouca prosa que lhe ensinou tudo o que sabia sobre ser mulher, maternidade, rezas, ervas, plantas, fios de seda e a arte do tecer. Sempre gostou de se banhar na cachoeira ao término da lavagem diária das roupas de manhãzinha … quando o sol raiava as mulheres se despediam deixando-as estendidas retornando mais tarde para recolhê-las, diariamente.
A jovem Maria aproveitava para relaxar e se banhar sozinha nas águas límpidas e geladinha da cachoeira conhecida por Véu de Noiva (tamanha sua queda d’água), enquanto fazia suas orações, conversava com o tempo, com as pedras, elementos e elementais da natureza se recarregando ao deixar a pele e seus longos cabelos secarem ao sol, deitada em uma grande pedra, até que um dia adormeceu…
… Um lindo cacique com capacete de penas coloridas, mãos firmes a tocou como quem reza um ser sagrado, suas mãos irradiavam luz dourada que aos poucos o inundaram por completo formando um só corpo… apenas os seres da natureza testemunharam tamanha beleza e luz… e assim seguiram por dias e noites, tocaram as estrelas do céu e do mar, acenderam o círculo de fogo que se transformou após uma enxurrada de líquido inodoro, incolor e inodoro se espalhar pela terra, promovendo o despertar de um enorme cristal transparente irradiando as cores do arco-íris. A energia amorosa foi tão intensa que reverberou para todo o planeta enquanto outros corpos se entrelaçavam gerando vidas, renovando esperanças…
… Vozes femininas longínquas anunciavam a chegada para recolher as roupas… crianças se banhavam, brincavam com as borboletas… a pequena cooperativa embalava as peças rendadas para serem vendidas na feira de domingo da Capital, a caça farta anunciava um inverno tranquilo e garantido… a criança da Luzia que não vingou fez chorar a todos…. o bicho da seda tecendo sem parar em seus casulos os fios para as mantas dos pequenos que estavam por vir…
…. Sem se dar conta crianças vêm correndo e sentam-se ao seu lado no chão enquanto seus pais chegam trazendo os pequenos recém nascidos para apresentá-la, uma grande toalha branca de xadrez amarelo cobre a mesa do bolo, com docinhos, enfeites, comidas gostosas que chegam a todo momento e de todos os lados, pássaros em revoada cantam, mariposas nascem anunciando que um novo ciclo começa….
Maria de Jesus sente um beijo carinhoso tocar seus lábios ao mesmo tempo em que o vento forte faz sua Cadeira de Balanço se mexer, trazendo-a de volta para o momento presente à sua aldeia chamada Poesia.
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