Ressaca Moral

As ondas chegam com violência à costa, orquestradas pelo vento, se atiram contra os rochedos espargindo água, sal e espuma até as faixas mais distantes de areia.  Uma delas bem próxima a mim. Eu ali, sentindo-me mareada como se estivesse presa em alto mar, esquecida em algum porão de navio. E tudo isso por causa de três doses de tequila. É bem verdade que, antes das tequilas, houve meia garrafa de uísque de excelência! Importado! Desses que um bom degustador não deixaria passar. Teve também “Martines” e algumas caipirinhas, “Patrimônio Nacional”, que não deu para rejeitar.

E aí dizem que subi na mesa, dancei funk ao som da marcha nupcial, dentre outras coisas que me recuso a recordar.

Agora, daqui de onde estou, percebo uma rajada de vento se formando no oceano. O nível das águas aumenta. Cresce diante dos meus olhos, parece querer engolir a terra.

Ao longe, em mar aberto, as correntes marítimas impulsionam a massa de água com velocidade em direção ao litoral. Respiro fundo! Tenho que encontrar coragem para voltar! Voltar e reencontrar familiares, amigos, convidados meus e de uma grande festa: “Casamento de minha filha”!  Única filha.

 Alguém disse uma vez que, entre todas as ressacas, a “Moral” era a que ficava para vida toda! Incurável!

 

É a mais absoluta verdade! Sempre haverá alguém para lembrar aquele “fatídico” dia! Uns com graça, outros com recriminações. Mas o fato é que nunca mais você se sentirá íntegra e segura outra vez.

A cada festinha, a cada nova comemoração, sempre será olhada com desconfiança.

E não importa o quanto o tempo passe. Nunca haverão de esquecer.

A qualquer comentário que tecer, necessitará de comprovação, testemunhas, ainda que de algum mentiroso, que nunca tenha vomitado no bolo de casamento da própria filha.

Sempre será o assunto toda vez que o tema for bebedeira, “barraco”, vergonhas “inesquecíveis”. Ilustrará todas as piadas de bêbados nas rodas de amigos. Suas opiniões nunca serão levadas a sério por mais sóbrio que esteja naquele momento.

 

E o pior! O mais doloroso! Ainda não criaram em nem um idioma, palavras que tenham o poder de expressar com exatidão o quanto de verdade você realmente lamenta todo o ocorrido. E mesmo que por generosidade, compaixão alguém te diga:

– Tudo bem, já esqueci! Isso acontece!

Você bem sabe que não é verdade. O crime é inafiançável e a condenação perpétua.

Um pássaro cruza o céu naquele momento. De repente me dou conta. O dia se fora!   O céu escurecera sem que eu percebesse! A noite me traz as sombras, os medos, É tudo tão mais assustador do que o real… “E o real já assusta bastante”

Do mar surgem ondas avassaladoras! A força selvagem das águas invade a areia! Ondas imensas engolem tudo por onde passam.  Meu desejo é ser tragada pelo mar enfurecido  juntamente com as minhas culpas e pecados. E que os Deuses do Mar sejam mais piedosos que os “Deuses” humanos! Que Poseidon e Iemanjá se apiedem de mim e absolvam os meus pecados!  Que assim seja!