Pistaches

O sorvete de pistache

Era verão, o tempo estava quente, e chovia torrencialmente. Alguns mosquitos faziam insistentemente a ronda nos ouvidos, com aquele zumbido irritante, até que  ela acordou, cutucou o marido com a clara intenção de acorda-lo de seu pesado sono. Era por volta das 22h e pediu eufórica:
– Alfredo, quero  sorvete de pistache com cocô de galinha servido no farelo de tijolo.
Ele assustou-se:
– Querida olha a hora, aonde vou encontrar pistache? Pior! Sorvete de pistache?
Ela – a voz entre o drama e o choro – alisando o enorme barrigão de oito meses ameaçou:
– É contigo mesmo! Você sabe que desejo de mulher grávida… teu filho pode nascer caolho e com terçol.

Ele, bufando, resmungando e tonto de sono colocou as galochas, a capa de chuva e saiu em busca do tal pistache. Sabia que era a primeira parte da missão. Depois teria que ir ao terreiro pegar um pouco de cocô de galinha, catar e macerar tijolos. Ainda bem que ele resolvera guardar a meia dúzia de tijolos que sobrou da feitura do galinheiro.

Após a fase dos enjoos e vertigens, que toda a vida a deixara prostrada, cheia de dengos e não me toques, chegara a vez dos desejos: pistache com cocô de galinha e tijolo moído, o que será da próxima vez?

Será que toda grávida tinha estes desejos malucos? Esther estava lhe tirando do sério. Mas dia menos dia saia com um desejo impossível: leite tirado na hora da bezerra, comer sabonete?

A cidade está alagada. Janeiro é o mês das águas na Cidade do amor e ele não sabe por onde começar. Avistou uma pastelaria:
– O senhor tem sorvete de pistache?
– Não meu amigo não trabalho com sorvete.
– Obrigado, boa noite.

Após rodar por duas horas ou mais, um banho de lama aplicado por um coletivo passando por uma poça, um pneu furado e muitos xingamentos, encontrou a bendita fruta – pistache – em uma lanchonete que já estava com as portas semi-arriadas.
– Por favor, o senhor tem sorvete de pistache?
– Não meu amigo. Tenho pistache.
– O senhor poderia me vender umas duas unidades?
– De maneira alguma, são para uso exclusivo da casa e estas frutas estão fora da estação. Se eu lhe servir fico na mão.
– Amigo, minha mulher está grávida e está com fortes desejos de comer sorvete de pistache.

Resumindo: depois de muito barganhar, o gerente, após fingir se compadecer da situação do pobre Alfredo, cobrou um preço absurdo e liberou três pistaches. Alfredo correu para casa, já acionando a irmã pelo celular – boa quituteira – entregando-lhe a missão de fazer o sorvete.

Já passavam das duas horas da madrugada quando ela se sentou à mesa com uma taça de sorvetes de pistache na mão e um pratinho com tijolo bem maceradinho com o máximo zelo pelo maridão e o cocô de galinha no outro. O marido se retorcia e arrepiava da cabeça aos pés, ao vê-la se regalar com tão exótica iguaria. Alheia a tudo, a futura mamãe apreciava cada colherada do estranho acepipe. Estalava a língua denunciando estar diante de um manjar divino, fechava os olhos em esgares de prazer, interjeições de satisfação eram ouvidas a cada segundo e no final raspou o pratinho com as sobras do cocô de galinha.
Horrorizado, Alfredo se aventurou a perguntar se ela estava satisfeita:
– Sim meu amor. Satisfeitíssima!

E… Ela como houvesse saído de um transe hipnótico naquele exato momento, e se apercebido das obrigações diárias:
– Alfredo, ainda acordado há essa hora? Vamos dormir, você tem que acordar cedo para ir trabalhar. Logo, logo, o bebê vai chegar. Você não pode se dar ao luxo de ficar desempregado.