Existem pessoas que amam História. Há quem estude a macro-história, que é aquela que aborda os heróis e os grandes fatos que nos marcaram os acontecimentos mais importantes. E há quem se interesse mais pela micro-história, que é aquela que aborda os personagens secundários, marginalizados, que não tiveram destaque ou relevância suficiente para virar verbete quando contamos sobre os grandes acontecimentos da História, com letra maiúscula. Era sobre essa micro-história, em minúsculas mesmo, que Bartolomeu se interessava. Nesse seu estudo dos personagens coadjuvantes, Bartolomeu se apegava aos que viraram nome de rua na sua cidade.
– Sebastião Herculano de Matos? Era o dono da Pharmacia Fluminense. Morou aqui e foi o idealizador do Hospital Iguaçu, sabia?
Não, não sabia. Mas sabia que andar pela cidade era esbarrar em nomes de famílias que ainda moravam lá. Vigné, Baroni, Chambarelli, Moura Sá. Na sua maioria são pessoas que herdaram o nome, mas nem sempre herdaram o patrimônio. Bartolomeu herdou foi nada. Esse trabalhava, escrevia suas poesias e sonhava, um dia, também ser nome de rua. Bartolomeu Bueno. O nome era uma homenagem a um bandeirante. Já imaginava: Bartolomeu Bueno, esquina com a Getúlio Vargas, bem ali no centro da cidade.
De uns tempos pra cá, por lei, não era mais possível dar nomes de rua a pessoas vivas. Em um país em que “morreu, vira santo”, tem muito político que vira nome de rua ou praça logo depois de falecido. Talvez fosse o destino de Jorge de Lima Mello, vereador da cidade e frequentador dos bares mais badalados da cidade. Se pra ser vereador precisa estar junto do povo, o povo pra Jorge tomava whisky com Red Bull ao som do último hit sertanejo. Esse seguiu a cartilha do político da família tradicional: herdou nome e patrimônio, estudou nos melhores colégios, cursou Direito em faculdade particular, se formou aos trancos e barrancos e nunca exerceu o Direito. Se candidatou, já com certa idade, pois não queriam ele a frente dos negócios da família. Tinha acabado de ganhar o segundo mandato, ainda sem propor uma lei sequer. A única lei que ele conhecia era a Lei Seca. Era mestre em furar a blitz e sair sem uma multa sequer, graças a influência de sua família e a força do seu mandato.
Numa nevoenta manhã de inverno, Bartolomeu saia cedo para o trabalho. Andava uns 20 minutos para chegar na estação de trem e pegar a composição lotada com destino à Central do Brasil. Poeta com vários livros editados, mas escriturário de 8 às 5. Guardava lá seu dinheirinho pra editar seus próprios livros, mas o que botava o pão na mesa era o trabalho burocrático no escritório.
Na mesma manhã nevoenta de inverno, saia Jorge cedo da balada. Cedo porque já tinha amanhecido e ele era inimigo do fim. Já mamado, perdeu a chave do carro e só achou com a ajuda do manobrista. Foi parar no carro “só Deus sabe como”. Meteu a chave na ignição, engatou a primeira e saiu na direção de casa. Bem na esquina da Doutor Mário Guimarães, que foi presidente da Caixa Econômica e deputado federal, Jorge acertou Bartolomeu em cheio. Caiu morto no chão. Não na Mário Guimarães, mas já na Vereador Alcebíades Soares de Mello, que foi vereador em 1947 e avô de Jorge. O crime foi mal investigado e Jorge nunca foi culpado. Mas não ser culpado não fez com que ele não sentisse culpa. Para ficar em paz, resolveu realizar o sonho de Bartolomeu, que era virar nome de rua.
Dois anos depois, ele inaugurava a placa com o nome Rua Bartolomeu Bueno, em Comendador Soares. Bela homenagem. A rua começava em um puteiro e terminava num valão.
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