Celular arroz

Uma vizinha do outro mundo

Moro em prédio antigo, aqui no centro de N.I. Não é Nova York, não… É Nova Iguaçu, mesmo, tá? Sou Diretor de  Marketing de uma empresa de publicidade, trabalho no Flamengo, e às vezes volto caminhando até a central; olhando as  vitrines, comprando bugigangas e apreciando o rebolar das fêmeas. Deixo o carro na garagem e, praticamente só o utilizo  nos finais de semana. 

Na empresa na qual trabalho, a Semper Lion, fiz muitos amigos. Somos uma grande família, como se diz. Aos  sábados, cedo da tarde, não retorno sozinho, sempre venho acompanhado. E, quase sempre paramos em uma bar da  Voluntários, para fazer um “brainstorm”, ou liquidificação, como chamo; sobre a mulherada, nosso prato principal. Naquela  tarde, estava indo tudo muito bem… Cervejas, tira-gostos, petiscos e… Mulheres, passando a bel prazer, como lindas naves a  balouçar no mar de nossas imaginações. Foi quando, Geraldo, o gerente de marketing, já meio afogueado, balançou a mesa,  alguns copos viraram e muita cerveja caiu em meu celular. Caraca! Salvamos alguns copos; rápido também, levantei o  celular, juntei vários guardanapos e o embrulhei.  

Já em casa, tinha sido orientado a colocar em uma vasilha e arroz, que durante a noite alguns espíritos orientais, que  vivem naquele cereal, fariam o conserto. Deixei lá. 

Pela manhã, fui conferir. Parecia do mesmo jeito. Liguei e ele fez as mesuras de que estava ligado, mas a tela toda  escura. Coloquei a capa e, nisso, o mesmo tocou. Atendi. 

– Olá, você ligou pra mim? – Uma voz maviosa e doce me seduziu do outro lado. Aliciou, mesmo, parecia uma  sereia a ludibriar um incauto marinheiro. 

Eu, não tive, tal Ulisses, um mastro a que me amarrassem. Sucumbi. 

– Olá… Na verdade, não sei… Tive um pequeno problema com o meu celular… Com quem eu falo? – Quis puxar  conversa. 

– Não tem problema, hoje é domingo e estava morrendo de tédio… Sou a Cláudia e você? – Ela melodiou me, levando-me ao encantamento total. 

– Sou o… O… – Titubeei – … Sou o Cláudio… É, meu nome é Cláudio também… Quero dizer, o seu é Cláudia, né? Ela sorriu e depois aliciou, novamente: 

– Que legal… Uma ótima coincidência… Deve ser um bom sinal, você não acha? 

Claro que era. Mas, devia ter algum problema. Com toda a certeza ela seria de outro estado. 

– Cláudia, diga-me, por favor… Em que estado você mora? 

– Sou do Rio de Janeiro… Moro em Nova Iguaçu!… E você? 

Caraca! Não era possível! Aqui perto, pensei. Eu moro próximo ao Top Shopping, rua Alvarenga, 31. E argumentei  a ela: 

– Muita coincidência, também moro em Nova Iguaçu… 

– Sério?? – Deliciou-me ela, com o seu cativar sonoro – Pois eu moro próximo ao Top Shopping! Tá de putaria! Pensei… Quase falando isso a moça. Deveria ser nova, pela voz jovial.  

– Oie… Posso ser ousado, ainda são… 9:48… Podemos nos encontrar no bar do Cláudio, aqui na esquina da Rua… – Arrisquei. Mas, ela me cortou. 

– Eu sei onde é… Na esquina da Rua Alvarenga… Já namorei com o Claudinho… 

Nossa! Agora ela jogou pesado. No entanto, o mais tenso viria agora: 

– Você pode vir me apanhar? Eu moro na Rua Alvarenga, número 31… Apartamento 312- A voz dela ecoou em  meu cérebro: (apaarrtameeento treezeeeentoooos e Dooooouuuzeeee). 

Não! Não poderia ser! Jamais!… EU que moro no apartamento 312! 

– Ei, ga… xiiiiiiiiiiiii…ta, isso não poxiiiiiiiiiiiiiii ser… Eu moro xiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii nexiiiiiiiiiiiiii apartamento! – A  linha começou a dar “merda”. 

– Oi!… Oi… Cláudio? O que você disse?… A linha parece que cruzou… Venha me apanhar; moro no apartamento  312… Rua Alvarenga, 31. – Ela insistiu em dizer que morava COMIGO! 

– Não desligue…xiiiii…. – O telefone parece que voltou para elucidarmos aquele pesadelo – Eu moro na rua  Alvarenga, número 31, apartamento trezentos e doze! 

– O quê????? Tá de putaria – Ela disse! Eu moro aqui, nesse endereço… Apesar de que preciso me mudar, no ano  que vem… 

– Não estou entendendo… Eu moro aqui desde 2020! 

– Que estranho!… Esse ano foi o ano em que me mudei para o centro do Rio! 

– Ei, ei, ei, como assim? Você mudou no mesmo ano em que eu vim pra cá? 

– Cláudio… Eu ainda vou mudar!… Só ano que vem!… 

Eita, porra!… O telefone ficou mudo!… Tentei religar, recarregar… Nada. Coloquei o mesmo na mesa, o bagulho tava doido… Fui à geladeira, peguei uma cerveja e taquei no bicho… Enxuguei, rápido… Guardanapo de pano, depois de  papel… E apertei religar… Depois das mesuras habituais, o mesmo tocou… 

– Cláudia, Cláudia!… 

– …. – Um silencio inicial e depois… – Você desligou o celular na minha cara? – a voz de mel, zangada. – Não!… Não é nada disso, é que está acontecendo uma coisa estranha com o meu celular… Não estou de  brincadeira, mas, diga-me uma coisa… Em que ano “nós” estamos? 

– Tá de sacanagem!… Você eu não sei, mas estou vivendo em 2019!… E quer saber? Tchau… 

Ela desligou, deixando me assombrado. Fiquei estranho durante toda a semana. O Celular já era. Comprei outro. Na  próxima, liquefação, no bar, vi uma mulher, linda, em outra mesa. Ela me olhava. Aproximei-me e perguntei seu nome: – Cãntarinnã – Ela respondeu, com a voz mais fanha do mundo.