Janete, cozinheira de mão cheia, religiosa em sua concepção de vida, forte como uma rocha, uma segurança em suas ações que só seria abalada pela chegada repentina de Jorge. Ao contrário de Janete, ele procura sua auto afirmação em todos os segmentos. Em uma festa na igreja em que Janete frequenta, ele se depara com a bela mulher, que de pronto lhe devolve o olhar límpido e sedutor como se fosse um arrebatamento. Jorge, meio acanhado, estava perdido ali. Mas Janete se impôs e fez a pergunta:
– Você é de qual igreja?
– Não, não. Vim trazer minha prima.
– Não vai ficar pro almoço?
– Não, mas vou levar uma quentinha. Me falaram que a cozinheira faz uma comida ótima aqui.
– Pois é, sou eu a cozinheira.
Neste momento Janete queria muito saber de Jorge. Não demorou pra começar o interrogatório:
– Você não é religioso?
– Sim, mas de outra doutrina.
Janete insiste:
– Qual?
– Sou do candomblé.
Janete queria saber mais sobre. Já ouvi falar em umbanda. Candomblé não. Parece tudo a mesma coisa. Neste momento Jorge começa a se interessar por Janete. Faz questão de dizer e falar sobre a diferença:
– O candomblé veio da África, trazido ao Brasil por meio dos africanos escravizados. Umbanda é uma religião brasileira, formada através de elementos de outras religiões como o catolicismo ou espiritismo, juntando ainda elementos da cultura africana.
Janete ficou de boca aberta com aparente conhecimento de Jorge. Na altura da conversa ela não sabia o que era verdade ou mentira. Uma coisa era certa: ela estava totalmente envolvida por Jorge, que por sua vez também mostrava muita vontade de estar ali com Janete. E lhe fez uma proposta:
– Vai lá visitar minha casa (terreiro).
– Você já foi na minha igreja?
– Você nem me falou qual a sua igreja e o que vocês fazem lá.
– Sou da presbiteriana. Ela adota a confissão de fé assim como as crenças básicas aceitas pelo cristianismo protestante.
Que confusão fez-se com os diálogos de Jorge e Janete. Papo vai, papo vem e mandaram para cada um conhecer suas preferências religiosas. Jorge passa a buscar Janete em todos cultos e vice-versa. Estava ali se formando um casal jugo desigual.
Prometeram fidelidade e respeito. Jorge ficou tão entusiasmado com Janete que esqueceu de agradecer e elogiar a excelente rabada com batata e agrião. Jorge não lembrava de ter comido uma rabada tão deliciosa e parabenizou Janete, que por sua vez ficou muito feliz e lhe fez um convite:
– No próximo mês teremos novamente. Vou contar com você.
Jorge prontamente aceitou de imediato e falou:
– Não como mais rabada em lugar nenhum, só a sua. Janete sorriu meio sem graça.
– Prometi fidelidade em nossa religiosidade, vou incluir essa rabada também.
Jorge só não contava com o almoço na igreja no dia trinta de setembro, dia de Xangô, e mãe Verinha de Bagé é quem iria cozinhar para Xangô. Por sua vez, tem seu prato principal, que é rabada com quiabo regado no azeite de dendê. Jorge, impaciente, fez as contas:
– Como vou fazer tendo que escolher entre a rabada de Janete ou de xangô?
Escolha difícil. Mãe Verinha de Bagé chama Jorge e fala:
– Vamos preparar essa rabada juntos.
Sem alternativas, Jorge segue nos preparos. A noite avança, Janete preocupada:
– Cadê Jorge?
Culto encerrado na igreja, Janete desolada e muito decepcionada com Jorge, mas procura manter a calma. Cadê a fidelidade e o respeito? Quando passa pelo terreiro, batendo o portão está lá, Jorge com um prato de rabada com quiabo. Olhos arregalados, Jorge não sabe o que falar. Janete, sem mostrar constrangimento, pergunta:
– Qual é o mais gostoso?
Jorge responde:
– A do Xangô, meu pai. Sabe por que? Tem azeite de dendê!
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