adão eva paraiso

Um pecado muito original

– Eva Cátia Ondina… Meu nome é Eva Cátia Ondina! Verifica aí, por favor. Eu confirmei a reserva. Parcelei em doze vezes e já tem cinco pagas. Assim não é possível!
– Sra. Ondina, infelizmente não estamos conseguindo ajudá-la. Estamos fazendo o possível. Estamos contando com a sua compreensão… 

Eva não podia acreditar naquilo. Uma viagem planejada há tanto tempo. Tantas privações passadas, todo o esforço para economizar uns trocados, tudo para viajar para o exterior pela primeira vez, aos trinta e sete anos. 

Para piorar, simplesmente não suportava o uso excessivo e desnecessário dos gerúndios. E mais, tudo era “estamos”… Estamos quem, cara pálida? Havia uma única pessoa no balcão de atendimento. E que atendimento horroroso!!! Enquanto permanecia imersa em seus indignados pensamentos gramaticais, ela foi interrompida por uma voz bastante grave. 

– Você também caiu?
– Com licença, eu conheço o senhor?
– Senhor é quem me criou, meu nome é Adão, o primeiro homem. Bom, na verdade eu não sou aquele Adão, ele estaria meio velhinho se estivesse vivo. Mas o caso é que me chamo Adão também. Muito prazer. E você? Qual seu nome? Você foi outra vítima do golpe da passagem fácil?
– Ah… Que coincidência, meu nome é Eva. Também não aquela Eva, apenas mais uma Eva (disse, retribuindo a graça, com um sorriso tímido de canto da boca). Sim, eu comprei as passagens por aquele site do comercial da TV, tudo confirmado, uma boa parte já paga, toda a burocracia para retirar os documentos e agora… nada. 

Depois daquela apresentação inusitada, os dois começaram a conversar. Adão tinha um metro e oitenta de altura e Eva pouco menos de um metro e sessenta, mas quando se sentaram para tomar um café, a diferença desapareceu. Com o tempo, outras diferenças também foram esvanecendo: a idade, ele já estava prestes a completar cinquenta; o sotaque, ele carioca e ela mineira; o visual, ele roqueiro cabeludo, vestido com camisa do Ramones, e ela num traje discreto e elegante, roupas claras, maquiagem suave, penteado impecável. 

Logo se viram concordando em tudo. Ponderaram como o povo brasileiro era passivo, por isso vivia sendo feito de trouxa. Argumentaram que uma ação judicial podia gerar uma reparação, mas não ia modificar aquele sentimento intenso de frustração, não ia devolver todas aquelas horas de planejamento e preparação das férias dos sonhos, que havia se transformado em terrível pesadelo. 

Conforme iam conversando, a revolta de um ia inflamando a do outro, como se estivessem dispostos a começar uma revolução naquele exato momento. Mas, para a surpresa de Adão, foi Eva quem tomou a iniciativa.
– Eu posso até não voar hoje, mas alguma coisa vai voar!!!

Eva levantou-se de pronto, pegou a cadeira na qual estava sentada e foi correndo em direção ao balcão de atendimento. No instante seguinte, a cadeira acertou o computador, produzindo estilhaços e, por pouco, não atingindo a moça dos gerúndios. 

Enquanto Eva era algemada e presa, Adão percebeu que nunca havia sentido algo assim por ninguém. A fúria daquela mulher se revelava infinitamente mais apetitosa que qualquer fruto proibido. Adão arrancou uma costela, da sobra do prato de uma mesa vizinha, e arremessou na cara do policial que conduzia Eva. Logo ele também foi preso e, enquanto eram colocados em camburões diferentes, trocaram juras de amor, dizendo que não viam a hora do reencontro, a fim de colocarem em prática a parte do “crescei-vos e multiplicai-vos”.