Marinete desliga o aparelho telefônico na sala e corre para apagar o fogo do arroz lá na cozinha, de onde já começava a exalar um cheiro de queimado. É claro que existe celular, aparelho telefônico sem fio, mas “aquele telefone”, aquele foi da avó, a primeira pessoa da família a ter linha telefônica em casa. Uma relíquia! Ela coloca um punhado do arroz sobre a pia e depois a panela com o restante do arroz sobre o punhado. Panela destampada, em poucos segundos dissiparia a prova do crime. Marinete estava feliz demais! Não era um arroz queimado que iria lhe estragar o dia… Edu, o Eduardinho iria casar; seu caçulinha, quem diria?… Ela sorri pra si. Marinete era relativamente jovem; casara cedo, aos 17 anos; moça direita, religiosa, bem prendada, guardava consigo um sonho de menina… Um lugar!
Ela fora criada na companhia do padrasto, mas conheceu bem o pai biológico e o amava muito. Porém, ele a abandonara; saiu de casa para vencer, foi o que ele lhe dissera, antes de beijá-la e sair porta fora. Ela tinha só sete anos e sofrera a partida do pai. Mais que a mãe, que casara novamente no ano seguinte. Todos os anos, seu pai lhe mandava cartas pela passagem de seu aniversário; e junto com as cartas fotos lindas do lugar que escolhera para viver com a nova família: João Pessoa! Uma bela cidade! E as praias? Tambaú, Bessa, Coqueirinho… Ele sempre prometia que a levaria em algumas férias de fim de ano… Só que isso nunca aconteceu! Então chegou o seu casamento. E aí, finalmente, ele resolve cumprir a promessa: a tal viagem a João Pessoa. Viria como presente de lua de mel! Mas o infeliz infartou às vésperas do casamento. E Marinete teve que se contentar com um final de semana em Muriqui. Ela dá de mão!… Não sabia por que estava lembrando o passado, àquela hora da noite. Talvez fosse essa novidade maravilhosa! O Casamento do Edu com a Priscila! Sorrir de novo; estava feliz de verdade! E sorrindo foi por a mesa do jantar e esperar os noivos com mais novidades.
Uma hora mais tarde, Marinete olha satisfeita a sua família ao entorno da mesa. Os olhos claros daquela, ainda jovem, matriarca são só satisfação. Quando, de repente, Edu e Priscila começam uma divertida discussão para saber quem seria o portador das boas-novas! E no meio daquele “Conta, você amor!”, “Ah! Não, benzinho, conta você!” que não acabava nunca, Seu Otacílio, o pai do noivo, levanta-se dizendo:
– OK! Deixe que eu conto!
Marinete arregalou os olhos! Que raio de novidade seria essa? Que seu marido sabia e ela não.
– Finalmente, depois de anos de espera, saiu a indenização que a empresa me devia!
Um “ooooh!” ecoou pela borda da massa. Apenas Marinete se manteve em silêncio. Parecia preferir se expressar através das pupilas, que se dilatavam com o suspense.
– Não chegou nem perto do valor calculado – Ele explica à família.
– Porém foi o suficiente para comprar o presente de casamento para o Edu e para a nossa Pri!
– E que presente é esse?! – Finalmente Marinete pergunta.
Mas, antes que Seu Otacílio respondesse, Priscila grita:
– Uma viagem para João Pessoa com tudo pagoooo!
– Duas semanas! – Completou Eduardo, esfuziante.
– O quê!!!????
Sim, era a Dona Marinete, transtornada os olhos saltando da cara… Quase babava, parecia que os caninos iriam crescer a qualquer momento. Se eu acreditasse em vampiro, jogaria alho, estacas e sal grosso, só pra garantir.
– Mas, por que João Pessoa? Tão longe!
– Oras, mãe! É a nossa lua de mel! Queria que fosse aonde? Nova Iguaçu?
– Por que não em Muriqui? – Ela sugere.
– Por que não em João Pessoa? – Priscila devolve a pergunta, já se irritando.
– Por quêêê… Por que avião é perigoso!
– Transporte mais seguro do mundo! – Contra-responde, Edu.
– Vai dar uma trabalheira… Passaporte, documentos…
– Sogra, não sei se a senhora sabe, mas João Pessoa fica em território brasileiro!
– É, querida! Não é necessário passaporte – Tenta argumentar Otacílio!
Mas o grito ensurdecedor de “Cale a boca!” ecoou na casa inteira.
– Querida! Não estou entendendo! Porque está agindo desta maneira? Não gostou do presente dos meninos?
– Gostei! Gostei muito, Otacílio! Olha aqui no meus olhos! Olha!
Otacílio obedece à mulher e, aos poucos, os seus olhos vão paralisando, a boca aberta em forma de “O”, a pele passava de pálida a levemente azulada, ele crispa os olhos e cai. Sofrera um infarto!… Está internado no Hospital da Cidade! Edu e Priscila se casaram. Mas foram passar a lua de mel em Muriqui.
Um Conto triste e muito bem escrito. Parabéns.