17 de janeiro de 1841 Às vezes, sinto o olhar dos moradores do vilarejo onde moro. Como se apontassem o dedo para mim. Levou algum tempo para que eu compreendesse a verdade. Não era inveja por conta da minha beleza. Eu era tachada de diferente porque sabia ler e escrever. A primeira governanta depois da morte de mamãe, me ensinou a ler e a escrever, apesar dos protestos de papai. Mas minhas irmãs mais velhas do que eu, não se interessaram. (…)
20 de março de 1841 Papai vai fazer mais uma viagem. Perguntou o que gostaríamos de ganhar. Minhas irmãs pediram muitos presentes e riram de mim quando eu disse que queria somente uma bela rosa.(…)
15 de maio de 1841 Estou apavorada. Mas fiz o que era certo: salvar papai. Fiquei em seu lugar. no castelo com a Fera. Aqui é tudo sombrio e triste. Inverno permanente que estremece a alma.
30 de maio Enfim! Luz na escuridão. Descobri uma enorme biblioteca no castelo. Tive a permissão da Fera para passar as manhãs e tardes, colorindo o dia com minhas leituras.(…)
10 de junho Depois do desjejum, fomos para o jardim. O sol estava muito forte e depois de caminhar um pouco, resolvi correr. Sentir o vento no rosto. Momento de liberdade. Fera pediu que eu parasse de correr e obedeci, a contragosto. Resolvi entrar e ele me seguiu. Fiquei tonta ao subir as escadas. Fera me segurou, e quando vi, estava em seus braços. Sensações até então desconhecidas se apossaram de mim. Não tinha repulsa daquele corpo peludo. Podia sentir seu coração batendo em sintonia com o meu. Seu olhar parecia flechas a atravessar meu corpo. Desvencilhei-me de seus braços e fui correndo para o quarto.(…)
14 de junho O silêncio paira entre nós. Desviamos os olhares. sinto que me observa, mas não ouso devolver o olhar.(…)
30 de junho Encontrei o Kama Sutra em uma das estantes. Devorei cada página, impressionada com a multiplicidade de posições. E o calor tomava conta de mim, parecendo queimar meu ventre. Imaginava eu e Fera e me contorcia com esse pensamento. Estava absorta na leitura. De costas para a porta, não percebi que Fera me observava e acompanhava minha leitura em silêncio. Acho que senti sua presença. Me virei e quando o vi, fiquei corada, tamanha vergonha. Tentei sair da biblioteca mas ele fechou a porta. Silêncio ensurdecedor. Podia ver em seus olhos um brilho diferente. Faíscas. Subitamente, com um único golpe, rasgou a manga do meu vestido. Quando percebi estava seminua, apenas com espartilho. Ele me beijou. Um beijo voraz que parecia me sufocar. Meu corpo não queria resistir. Aquelas mãos peludas retiraram a última peça e passearam pelo meu corpo. Não senti vergonha ou medo. Eu queria mais. Fera me pegou em seus braços e me acomodou sob o tapete da biblioteca. Sua língua brincou com todo o meu corpo. O tempo e o espaço não importavam mais. Sentia meu corpo estremecer a cada movimento seu. Um prazer indescritível tomou conta de todo meu ser. Éramos apenas um.(…)
2 de agosto Consegui voltar a tempo e salvar Fera. O encanto foi quebrado. Mas aquele jovem e belo rapaz é um estranho para mim. Vamos nos casar no mês que vem. (…)
11 de janeiro de 1843. Eu quero minha Fera de volta!!! A versão humana é pífia. Vivemos quase como irmãos. Suas mãos macias quase não me tocam. Meu corpo não é mais brasa. Saudade das noites de luxúria com minha Fera. Soube que a Bruxa morreu e a tristeza me consome. Se ela estivesse viva, quem sabe? Só algumas partes da Fera já me fariam feliz. Tony Ramos, o novo mordomo acabou de chegar. Ele me lembra muito o Fera. (…)
Caracas, fui lendo e de repente tudo se transformou. De um conto virou um romance erótico e de classe. Parabéns!
Quando assistir A Bela e a Fera novamente, sempre me lembrarei deste conto.
Esse conto me fez lembrar aquele ditado, hoje considerado machista, mas que expressa muito da natureza feminina: uma dama na mesa, uma puta na cama.
Fera conseguiu despertar o desejo de uma donzela recatada, mas que buscava o conhecimento e, através dele, conhecer a si própria.
Excelente releitura do conto infantil.