(uma leitura para dois)
Há quanto tempo! ele disse.
Bota tempo nisso, ela respondeu.
Trancado em casa sem ver ninguém, qualquer tempo parece muito tempo. Como você tá?
Eu tô levando, dia após dia, do meu jeitinho. Achei que iria aproveitar a quarentena pra fazer algo útil, mas o trabalho dobrou e eu mal tenho tempo pra nada.
Tempo a gente tem, né, difícil é—
Não sei você, mas eu ando sem tempo mesmo. É do quarto pra cozinha e de lá pro escritório e aí eu dou uma, duas, seis aulas online seguidas, e aí tem que varrer a sala e fazer comida, e aí quando a gente vê o dia já foi.
O tempo você tem, afinal, com que tempo você faz todas essas coisas?
Tempo de trabalho é outra coisa.
Tempo é tempo, só existe um e ele é qualquer coisa que a gente faça dele.
Falar é fácil, na prática não é bem assim. Eu sinto é falta.
Do quê?
De um outro tempo, em que a nossa preocupação era outra. Era com as provas, amigos, as coisas novas.
Será que a falta de tempo que você tem sentido é, na verdade, saudade desse outro tempo aí? O que te faz falta?
Acho que você tá viajando.
O tempo envelhece mais do que depressa, se a gente fica sem ele é a morte.
Mas pensa só, você não queria voltar pros tempos de colégio? Eu, você, a turma toda.
Eu entendo, de verdade, mas não: os tempos de colégio passaram, fizeram sua parte e foram embora.
E nenhuma saudade?
Na verdade verdadeira do fundo do meu coração: não.
Por quê?
Porque quando a gente é criança tá aprendendo. E a gente comete erros e eu acho tão difícil me perdoar desses erros, mas eu me perdoo um pouco todo dia.
Do que você se arrepende daquela época de ensino médio?
Você se arrepende de alguma coisa?
Eu sei lá.
Vou te falar uma coisa. Eu gostava muito de você, o recreio passava voando, e ainda assim…
O tempo passou e a gente seguiu caminhos diferentes, acontece.
Você lembra do dia do seu aniversário no segundo grau?
Queria esquecer. Tinha feito tanto plano, e tudo foi por água abaixo, por causa de uma maldita rubéola. Eu precisei de um bom tempo pra melhorar, tive que fazer o vestibular no ano seguinte.
É, eu lembro bem.
Eu preciso ir. Fiquei de encontrar o meu marido no supermercado.
Eu comprei um presente pra você.
Mas meu aniversário nem chegou ainda.
Não foi pro seu aniversário desse ano.
Como assim?
O tempo é um só. Viver sem tempo é morrer com tempo.
Olha, desculpa, eu preciso ir. Não sei o que te deu hoje que tá todo filósofo.
Vai lá. Mas leva isso.
Que isso?
Abre depois. Tchau.
Tá, tchau.
Antes de chegar ao destino, ela abriu o embrulho. Era uma caixa de chocolate fina, língua de gato. Junto, um recadinho num papel de caderno com uma letra torta e juvenil: “Feliz aniversário! Se o tempo firmar, vamos sair amanhã?
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