bilhete lápis

Sinto muito…

Sinto muito…   Perdoa…  Sou grata… Te amo!

Mirella lê um papel pequeno, amarelado pelo tempo. Fecha a mão em punho, como se temesse que tais palavras lhe fugissem.

Já fazia uma década… Uma década que a sua mãe lhe deixará e, ao longo desse tempo, aquelas palavras se tornaram uma espécie de cordão umbilical que as uniam, apesar da distância, da mágoa, da incompreensão… Apesar de tudo.

Mirella tinha apenas seis anos na madrugada que a mãe se fora. Levara apenas o Léo, seu irmãozinho mais novo.

Mirella fecha os olhos, há uma menininha dentro dela que ainda teima em sofrer.

Na sala havia polícia… No quarto, na mesa de cabeceira, um pequeno bilhete.

Mirella demorou para descobrir o que aquelas caligrafias tremidas queriam lhe dizer. A pobre menina ainda não sabia ler.

Tempo mais tarde, já alfabetizada, as palavras soltas, desconexas, continuava sem sentido.

Sinto muito… Perdoa … Sou grata … Te amo!

A vida foi seguindo… e aos poucos se revelando para ela.

Mirella descobriu que Maura, a mãe que a abandonara, não era a sua mãe biológica. Essa havia morrido a alguns anos ao lhe dar a luz. Na verdade, Maura era sua tia, uma adolescente, quase menina, que órfã de pai e mãe, se viu coagida a aceitar como marido o pai de sua sobrinha, ainda aos quatorze anos, Maura deu a luz a um menino, Leonardo.

Mirella, sentada ao banco da estação ferroviária, respira fundo. Agora ela entendia “porque ela o levou”. Entendia isso e outras milhões de coisas que ficaram subentendidas naquele bilhete, com declaração de culpa e pedido de amor. Tentando deixar parte disso para trás, Mirella viaja ao encontro da tia que aprendera a amar como mãe. Ansiosa, torce as mãos. Quer revê-la, abraça-la, quer rever Léo, o irmão, primo, sei lá.

Finalmente Maura e Léo chegaram. Abraçados não sabiam se riam ou choravam. Maura contou que havia casado e morava em um sítio na zona rural. Mirella disse que ficou muito só quando ela se foi e mais só ainda quando seu pai morreu. Mas agora ela estava bem. Iria casar no próximo mês. Léo fez muitas perguntas sobre o pai, com quem não conviveu.

No fim da tarde Mirella o levou até o jazigo do pai. Levaram flores e uma placa que ela mandou gravar as seguintes palavras:

Sinto tanto … Te perdoou … Sou grata … Te amo.